A Raiva!


Qual aspecto no outro me incomoda tanto ao ponto de partir para cima com tamanha agressividade?


 

Diga-me de quem tem raiva e lhe direi o que você esconde. Vi essa frase da psicóloga cearense Caroline Secundino e não tive como deixar de fazer um paralelo com esse momento que estamos vivendo em nosso país. É fato que existe uma energia, uma massa, um ímpeto de raiva imenso circundando todo o cenário político e, como disse no último artigo desta coluna, amado leitor, vejo o quanto que os discursos em prol de candidato A ou B são permeados, carregados e cheios de raiva. Os argumentos plausíveis, racionais, maduros, embasados são, infelizmente, uma exceção à regra. Mas todo esse movimento tem me chamado muito a atenção, justamente pelo ingrediente principal. Ela, a raiva.

A raiva é uma emoção que desperta sentimentos opostos nas pessoas. Explico. Ela pode ser vista, por alguns, como descontrole, desequilíbrio, agressividade, destempero, descomedimento, perturbação, inadequação e, consequentemente, como algo inadequado, que causa desaprovação. Mas, em contraponto, a raiva também é valorizada, por outros, pela ideia de que seja o oposto da passividade, do morno; temos o errôneo pensamento de que reprimir raiva faz mal e que explodir é que evita problemas emocionais, psíquicos e físicos. Uma pessoa que se impõe, que demonstra suas emoções sem receio, que faz prevalecer suas vontades porque os demais temem suas reações agressivas é vista, muitas vezes, como alguém de personalidade forte, admirável por defender seu ponto de vista com tamanha veemência.

A grande questão, querido leitor, é observar quais aspectos a raiva tenta nos mostrar. Carl Jung, um dos mais brilhantes psicólogos da nossa história, já dizia que tudo que nos irrita nos outros pode nos levar a maior compreensão de nós mesmos. Ou seja, toda essa raiva que está sendo propagada, alimentada, difundida em qual parte ela fala sobre mim? Qual aspecto no outro me incomoda tanto ao ponto de partir para cima com tamanha agressividade? E de que forma este aspecto – do outro – é encontrado em mim? E por que eu não aceito este aspecto em mim? Ou, ainda, pegando a vertente do cenário político que estamos vivendo e a questão logo acima que citei em relação à valorização da raiva como sendo oposto direto à permissividade, quais aspectos que me despertam a raiva e eu não tinha coragem de externar mas, vendo quem o faça, eu me encorajo a fazer também?

Quando falo dessa perspectiva de enxergar e observar em nós o que nos incomoda no outro, você pode me questionar, querido leitor: “ah, Mariana, quer dizer então que eu não posso me incomodar com um crime? Pelo que você está dizendo, se eu sinto raiva de um assassino é porque eu tenho um assassino dentro de mim!” E é bem isso mesmo. A partir do momento em que descortinamos esse mundo que separa pessoas boas de pessoas más, e compreendemos que todos nós temos partes boas e partes más – que nem Yin e Yang: o mau que está dentro do bom e o bom que está dentro do mau – entendemos que nós todos temos plena capacidade de fazer absolutamente tudo; a grande questão é que nós sabemos as consequências de matar alguém, sejam elas morais, judiciais, psicológicas, emocionais ou espirituais. Mas a raiva, em seus acessos, traz à tona todas essas sombras.

As sombras, quando não as conhecemos, tendem a aparecer de vez em quando em explosões de raiva, de ira, de ódio, de cólera. Temos aquela sensação de que fomos tomados por uma energia, uma força, uma emoção destemperada e costumados até dizer: “saí de mim, não era eu!” Em partes. É uma parte nossa que estava escondida, oculta, camuflada e que veio à tona. Que parte é essa que está vindo à tona? Que sombra é essa que está gritando para sair?

Que possamos aproveitar esse momento de emoções à flor da pele e entender, de fato, o quê essa raiva esconde.

 

* – Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria.

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