Artigo de João Otávio Macêdo – OS CEM ESPERADOS DIAS


“Fica difícil entender como um político oriundo do parlamento tente se distanciar das suas origens e isso poderá custar caro”


Não vejo muita lógica nessa espera ansiosa pelos cem primeiros dias de governo, quando se inicia um novo período, tanto no executivo quanto no legislativo. Primeiro pelo fato de cem dias serem insuficientes para mudar um país com inúmeras carências, com tantos desempregados e, principalmente, depois de três sucessivos governos que meteram a mão nos recursos públicos sem dó nem piedade; desarmar o mal feito dos petistas vai levar muito tempo e tenho minhas dúvidas se isso será totalmente conseguido; esses cem dias prestam-se mais para a oposição cutucar o governo, pois motivo não falta.

O capitão-presidente elegeu-se utilizando-se, e muito bem, das chamadas redes sociais, derrubando a crença de que só venceria  as eleições  quem tivesse mais inserção na televisão e pagasse fortuna aos “marqueteiros”, que deitaram e rolaram por muitos anos. Sendo vencedor, no ultimo pleito, continua utilizando-se das tais redes para se comunicar com o seu eleitorado, o que tem merecido elogios e ataques, principalmente por não dar muita importância ao congresso nacional, justo ele que frequentou os salões e os corredores do congresso por mais de 20 anos. Fica difícil entender como um político oriundo do parlamento tente se distanciar das suas origens e isso poderá custar caro, pois já aconteceu com outros presidentes, que menosprezaram o congresso, mesmo sabendo-se que ali é um “vespeiro”; a maioria dos deputados e senadores – e não todos, é bom salientar – está mesmo atrás de tirar uma “casquinha” e emplacar em cargos, nos escalões inferiores, parentes e protegidos. Os escândalos que estouraram a partir de 2005 são uma mostra inequívoca da arte sorrateira desses espertalhões e essa prática, já arraigada no mundo da política não desaparece em pouco tempo.

Mesmo os generais-presidentes, que governaram no sempre citado “período ditatorial”, tiveram as suas dificuldades; lembro-me bem que o general Ernesto Geisel, que não gostava de dar entrevistas, mas quebrava um pouco esse silêncio quando viajava, numa dessas viagens, ao Japão, disse a um repórter que o entrevistava. que o dia mais feliz de sua vida seria quando deixasse a Presidência  da República; o seu sucessor, o também general João Batista de Oliveira Figueiredo, mostrava-se aborrecido no cargo, padecia de dores na coluna que, milagrosamente ou não, desaparecia  quando saía de Brasília. Não sou frequentador das redes sociais, mas soube que o Bolsonaro andou dizendo não ter apego à presidência, pois o que ele gostava, mesmo, era do Exército, de onde saiu para ocupar cargo político. No exército, tal como nas duas outras corporações que constituem as nossas forças armadas, prima-se pela ordem, pela disciplina e pela hierarquia, muito, mas muito diferente mesmo, do mundo complexo da política.

Goste, ou não, o presidente terá que dialogar, mais dia menos dia, com as “brilhantes cabeças”, salvo as honrosas exceções, encontradas naquele “serpentário” chamado Congresso Nacional. É o preço da democracia.