COLUNA DE MARIANA BENEDITO – Realidade na vida virtual?!


"A grande maioria de nós prefere uma mentira com brilhos e filtros"


Duas coisas nós sabemos de cor e salteado, querido leitor: primeiro é que todo mundo deseja se sentir aceito, amado, inserido, acolhido. Certo, isso é nato do ser humano porque ninguém é uma ilha e a convivência com o outro é o que nos constrói, o que nos dá referências; segundo é que, justamente pela convivência ser fator primordial para o nosso desenvolvimento, a gente se importa com o que os outros pensam e falam ao nosso respeito – em maior ou menor nível –, principalmente porque não há, na face desse planeta chamado Terra, um único exemplar de pessoa que seja 100% segura, autoconfiante e bem resolvida.

Mas quantas vezes já permitimos que a nossa autoestima dependesse da opinião dos outros? Quantas vezes, além de nivelar nossa autoestima de acordo com o que pensam sobre nós, permitimos que a opinião dos outros validasse o que é importante para nós e nos ditasse de que forma devemos nos comportar, viver e, pior, sentir.

Repare. Digamos que você, que me lê aí do outro lado, estuda há muito tempo para passar em determinado concurso. Aí, um belo dia, estáelaborando seu programa de estudos e posta uma foto sua, com seu material e exercícios e livros e apostilas tudo organizadinho, numa foto que transmite a ideia de foco, determinação, perseverança. Tudo certo na Bahia! Você recebe uma centena de curtidas na sua foto e, para seu inconsciente, esse sentimento de motivação e entusiasmo é valorizado, precisa ser cultivado e perseguido porque ficou lá o registro de que, sendo sempre dessa forma, você será aceito, bem visto, acolhido e um monte de gente curte essa imagem sua. Só que aí entra um detalhe super importante: mesmo com toda a sua determinação e foco nos estudos, você está extremamente cansado porque são anos de sua vida dedicados a um objetivo que ainda não foi alcançado, totalmente desmotivado porque faz provas atrás de provas e o resultado não é exitoso, está sentindo uma dor no pescoço absurda, devido ao tempo que passa de cabeça baixa e morrendo de vontade de jogar tudo para o alto, chutar o balde junto com o pau da barraca e já pensando em outras possibilidades, porque não aguenta mais. Você acha que as vozinhas que habitam o condomínio da sua mente vão dizer que é correto se sentir assim?

Pois é, não vão. E aí, numa espécie de desabafo – buscando se sentir acolhido – você posta uma foto com a mesa de estudos toda bagunçada e expressa o quanto está cansado, exausto, desmotivado, entristecido. As curtidas se resumem a dezenas irrisórias e as pessoas te dizem que você não deveria se sentir assim porque, graças a Deus, tem a oportunidade de se dedicar aos estudos enquanto outros não têm esse privilégio, que você mande logo essa desmotivação ir embora, porque você inspira outras pessoas com suas postagens tão recheadas de #FocoForçaFé.

E aí, o que bate? Você se sente a pior pessoa da face da Terra: ingrata, inadequada e culpada. Começa a se julgar, se condena e reprime o que sente. Porque você não pode sentir o que está sentindo, não é certo! Não é certo a partir da perspectiva de pessoas que estão vendo sua vida de forma parcial. Não é certo a partir da visão de pessoas que não sabem nem um terço das coisas que você já abdicou.

Quando a gente posta a verdade, a dor, o medo, o cansaço, a exaustão, não gera curtida. A grande maioria de nós prefere uma mentira com brilhos e filtros e boa iluminação do que a verdade nua e crua. Poucas pessoas estão realmente prontas para se enxergar e, consequentemente, enxergar o outro em sua totalidade. Com dores e delicias. Alegrias e tristezas. Altos e baixos. Luz e sombra.

E aí seguimos postando fotos que nada falam de verdade.

Hoje em dia, uma imagem já não vale mais que mil palavras.

 

* Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria.

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