Planos e lembranças da 1ª transexual a mudar de nome em Itabuna


Melissa da Rocha Farias está amparada por decisão do STF


Melissa agora pode ter documentos que comprovem mudança de nome e gênero

Finalmente, ela poderá ter o nome de flor com o qual sempre se apresentou nos lugares: melissa. A itabunense Melissa da Rocha Farias, que foi esta semana ao cartório de Registro Civil para obter nova Certidão de Nascimento, contou ao Diário Bahia a história de alguém que só aos 42 anos terá documentos condizentes com a identidade dela. “Estou muito feliz; é mais um sonho realizado”, derrete-se.

Melissa diz que procura enterrar o nome de batismo, porque é algo que sempre a incomodou bastante. Lembra o quanto passava por constrangimentos no aeroporto, em locais públicos, em todos os espaços onde precisasse apresentar a documentação. Com a vida burocrática sendo resolvida, já consegue dar vida a antigos planos.

Após concluir o Ensino Médio, interrompido por alguns anos, ela quer cursar Psicologia. “Esse é meu projeto de vida, um dos meus sonhos”, revela. Mas não pretende abandonar a profissão de cabeleireira, que a acompanha desde os 13 anos.

Melissa tem um salão de beleza e considera que herdou na atividade o mesmo dom da mãe. Tem, inclusive, um irmão também cabeleireiro e que, assim como ela, ganha a vida com este ramo. Além de tocar o salão, Melissa é assessora parlamentar da vereadora Charliane Sousa, que concedeu a ela na quarta-feira (18) uma Moção de Congratulações.

Melissa é assessora da vereadora Charliane Sousa, que lhe concedeu Moção de Congratulações

Imune ao preconceito

A cabeleireira constata que a mudança agora é apenas com relação aos documentos. Porque, na prática, todos sempre a perceberam como mulher. “Eu já sou reconhecida na cidade como Melissa”. Aliás, indo além, recorda que desde a infância era notável uma diferença entre o gênero dos documentos e a prática. “Sempre me senti uma menina. Desde criança, meus familiares falavam que eu era o oposto do meu irmão”, aponta.

Forte e ao mesmo tempo doce, Melissa considera que a melhor palavra para defini-la é amor. Talvez por isso, sempre conseguiu manter-se imune a qualquer olhar de discriminação. “Nunca deixei de fazer nada por causa de preconceito; nunca botei a palavra preconceito no meu vocabulário, opinião cada um tem a sua”, garante.

Relacionamento e filho

Melissa passou por uma cirurgia cardiovascular há três anos e durante o problema de saúde precisou ficar sem trabalhar. A experiência fez com que tenha exata noção do que é mais importante na vida. “Hoje eu agradeço por minha saúde; o resto a gente consegue”, afirma.

Essa moça tem um filho biológico de 22 anos e ele a chama de Melissa. Respeita o espaço dela. “Meu sentimento por ele é enorme, temos um ótimo relacionamento”, assegura, fazendo questão de dizer que o garoto tem a mãe dele. “Meu sentimento por ele é enorme. Independente de ser pai ou mãe”, frisa.

Sobre as histórias a dois que viveu, Melissa diz que teve um relacionamento de oito anos com um rapaz, mas hoje não pretende algo como um casamento. “Hoje eu tô solteira, graças a Deus! Tenho namoridos, paquerinhas, ficantes”, entrega ela, adepta do lema “solteira sim, sozinha nunca”.

A advogada Jurema Cintra acompanhou toda a luta da transexual itabunense (Foto: Arquivo/Diário Bahia)

Batalha judicial

Melissa da Rocha Farias sempre teve orientação da advogada Jurema Cintra, assessora do Grupo Humanus, quando tentou mudar de nome e gênero pelas vias legais. Deu entrada numa ação judicial em 2017, na 1ª Vara de Família de Itabuna. Mas o processo andava a passos lentos por conta da morosidade judicial.

A mudança aqui relatada, sem precisar de autorização judicial para um caso específico, só foi possível depois que o Supremo Tribunal Federal julgou procedentes as ações (ADI 4.275 e RE 670.422 em 28/02/2018). Tal decisão permite que as pessoas trans de todo o país possam fazer o requerimento diretamente no cartório de registro Civil, sem necessidade de processo, nem cirurgias.

Como um caso real, Melissa foi a primeira transexual em Itabuna a fazer esse tipo de requerimento no Cartório do Segundo Ofício da cidade. O pleito foi deferido pelo oficial Rafael Donadel, titular do referido cartório. Dra. Jurema também acompanhou o pedido administrativo.