Costumo dizer que o mundo da política é movediço e traiçoeiro, que os menos espertos conseguem até dar beliscão em azulejo. Não à toa que os próprios políticos, independente de partido ou posicionamento ideológico, concordam com a afirmação de que a política não é para amadores.
O saudoso, inquieto e polêmico jornalista Eduardo Anunciação, na sua conceituada coluna Política, Gente, Poder, no Diário Bahia, dizia, e como muita razão, que o processo político é marcado por um gigantesco cinismo, que ingratidão, deslealdade e traição são elementos inerentes ao jogo pelo poder.
O comentário de hoje é assentado na declaração do ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) sobre o remédio amargo do impeachment. O emedebista disse ontem, 5, em entrevista ao Metrópole, que “não dá mais pra viver em um país que só pensa nisso”, se referindo ao afastamento do atual chefe do Palácio do Planalto.
A sabedoria popular diz, quando há uma mudança radical no comportamento de alguém, causando um espanto nas pessoas, que fulano mudou da “água para o vinho”, que sicrano não é mais o mesmo, que beltrano está irreconhecível.
Pois é. O senhor Michel Temer mudou da “água para o vinho”. Quando então vice-presidente da República de Dilma Rousseff (PT) passou um bom tempo caladinho, sem se pronunciar sobre as manobras para defenestrar a petista do cargo maior do Poder Executivo. Seu silêncio diante do acatamento do pedido de impeachment por parte de Eduardo Cunha, seu colega de legenda e então presidente da Câmara dos Deputados, foi ensurdecedor. Temer se escondeu atrás da sua incontida vontade de assumir o lugar da coitada da Dilma. Mas logo, logo, colocou em prática seu desejo de assumir o lugar da titular do cobiçado cargo.
Temer se juntou com os principais protagonistas do impeachment, com destaque para seus companheiros de sigla, como Renan Calheiros, Eunício Oliveira e companhia Ltda. O engraçado é que Calheiros e Oliveira são hoje aliados do lulopetismo. O senador alagoano, relator da CPI da Covid-19, é um dos coordenadores da campanha de Lula na região Nordeste. Os algozes da coitada da Dilma estão de mãos dadas com o “mito” da esquerda.
Temer, como vice de Dilma, portanto como substituto imediato, chegou até a enviar uma carta à presidente Dilma Rousseff se queixando da desconfiança que o governo tinha em relação a ele e ao então PMDB. Se dizia sem prestígio, que era um “vice decorativo”. Só faltou a missiva ficar úmida com suas lágrimas.
Olhe um trecho, caro e atento leitor, da histórica carta de 7 de dezembro de 2015 : “Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo. Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo”.
Michel Temer, que saiu da Presidência pela porta do fundo, atolado em processos, ainda sonha com a possibilidade de disputar o pleito presidencial em 2022. Com efeito, as Fundações do MDB e do PSL querem Temer e a senadora Simone Tebet como pré-candidatos. Até as freiras do convento das Carmelitas sabem que o MDB, uma sigla essencialmente pragmática, vai se juntar ao presidenciável com mais chances de ganhar a eleição. O emedebismo define sua posição política de acordo com as pesquisas de intenções de voto.
Pois é. O Temer mudou. E aí não tenho como deixar de lado duas curiosas, pertinentes e oportunas perguntas: 1) E se Michel Temer estivesse no lugar do general Hamilton Mourão, como vice de Jair Messias Bolsonaro? 2) Temer já estaria conversando com o chamado Centrão, como fez quando era vice da coitada da Dilma Rousseff?