Por Celina Santos
Bastidores da gestão; diferenças – sobretudo ideológicas – com os evangélicos, que ocuparam cargos estratégicos no governo; relação com o então prefeito Claudevane Leite. Estes e outros assuntos permeiam a entrevista reveladora concedida ao Diário Bahia pelo ex-vice-prefeito de Itabuna, Wenceslau Augusto dos Santos Júnior.
Aos 47 anos, advogado, vereador por dois mandatos, suplente de deputado estadual, militante do PCdoB desde o movimento estudantil, ele conta como pretende dar sequência às atividades profissionais – ora na política, ora na vida acadêmica.
Como o senhor pretende se colocar no cenário político daqui por diante?
Olha, eu fui vereador por oito anos e seis meses aqui em Itabuna, fui presidente do PCdoB, presidente da UJS [União da Juventude Socialista], comecei no movimento estudantil em 1990 e em 1991 fundei o partido – São 26 anos de militância ininterrupta no PCdoB; fui primeiro suplente de deputado em 2010 – o candidato a deputado estadual mais votado da cidade; depois, passamos por essa experiência como vice-prefeito e durante três anos e meio, secretário de Planejamento e Tecnologia. No momento, minha decisão pessoal foi focar mais na atividade acadêmica. Sou vinculado à Uesb há 13 anos, fiquei licenciado quatro e consegui a transferência para a Uesc. Estou lotado no curso de Direito, trabalho com a disciplina Prática Jurídica. Pretendo, sobretudo esse ano, que não é eleitoral, me envolver mais na pesquisa, na extensão, fazer o mestrado.
E que espaço sobrará para a política?
Pretendo dar minha contribuição como militante, inclusive na área de formação política da militância, que casa bem com minha pretensão de retomar a atividade acadêmica; contribuir também com o mandato do deputado Davidson [Magalhães]. Tenho certeza que a prioridade política do partido no sul da Bahia é a recondução dele como deputado federal. Independente de pretensões, que todos têm direito a ter, acho que a gente não pode se dar ao luxo de perder um mandato desse quilate. Ele tem desempenhado um mandato de excelência e agora nossa responsabilidade aumenta, porque ele assumiu a presidência estadual do PCdoB.
O que foi bom e o que foi ruim na sua passagem como vice-prefeito de Itabuna?
Tudo na vida é experiência. Costumo dizer que mesmo das coisas negativas, você tem que tirar algo positivo, que serve como lição. As coisas positivas você comemora, as negativas você busca tirar lições para não cometer os mesmos erros.
O que o senhor comemora e o que é lição hoje?
Comemoro que pra mim foi uma experiência nova. É a primeira vez que tenho uma experiência mais robusta na área do Executivo. Então, assumir a pasta de Planejamento e Tecnologia e contar com vários colaboradores foi uma boa experiência. O ruim é levar fama sem proveito.
A fama de que o senhor mandava mais que o prefeito?
Eu não ia mudar minha característica. Vane tem o perfil de uma pessoa mais reservada, que circula pouco no meio social. Eu sempre circulei, como vereador, como líder estudantil, e continuei circulando. Por conta do cargo de vice, essa visibilidade de estar nos lugares em que muitas vezes Vane não ia, eu acaba representando o município. Isso dava uma aparência de que, de fato, quem mandava na prefeitura era eu. E não é verdade. Quem manda em qualquer governo é quem decide as prioridades. O que contrata e o que paga. Como se diz, é quem tem a ‘chave do cofre’, o talão de cheque, a caneta ou, modernamente, a senha bancária para definir prioridades. Em qualquer gestão pública, as necessidades são imensas e os recursos são parcos. Então, a decisão do dia a dia é que define quem tem poder.
E o senhor concordou com todas as prioridades definidas pelo prefeito?
Não, não posso concordar com todas.
Não concordou com o quê?
Eu tinha que me posicionar como vice-prefeito. Apesar de ter um espaço como secretário, que o prefeito me convidou, mas eu tinha que ter esse equilíbrio. Até o próprio Vane diz isso: que em nenhum momento eu avancei sinal de tentar atropelar ou tentar medir força pra mandar mais do que o prefeito. Isso aí nunca existiu. Na verdade, quem pode prestar contas sobre os erros e acertos do governo é o ex-prefeito Vane. Claro que o PCdoB faz uma avaliação da sua participação no governo.
E que avaliação é essa?
Na Secretaria de Planejamento acho que conseguimos avançar muito – presto contas da pasta que eu assumi. Nós conseguimos, por exemplo, colaborar com a realização do Minha Casa, Minha Vida no município – viabilizamos 900 unidades do [condomínio] São José, mais 2.058 no Gabriela e Jubiabá e retomamos a construção de mais de 400 do Itabuna Park, perto do Pedro Fontes. Se somar esses números, vai encontrar uma quantidade significativa de moradias, uma parte já entregue e outra parte agora até o meio do ano. Conseguimos também destravar 748 unidades do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], para atender àquelas famílias do Jorge Amado, Rua de Palha, Bananeira. Então, as tarefas que foram dadas a mim eu cumpri com denodo. (…) O Hospital de Base tem uma marca do PCdoB; Paulo Bicalho veio a convite do PCdoB; quando Renan [Araújo] veio pra aqui, se movimentou muito para ampliar leitos de UTI, pra conseguir medicação, insumos junto ao governo do estado, ao Ministério; Vicente na limpeza e iluminação pública, setores muito bem avaliados; Edson Gomes (Pule) foi o responsável pela parte de seleção das pessoas na Habitação; Luciana Pinheiro, mesmo com todos os problemas, permaneceu na Secretaria de Saúde na gestão dos quatro secretários.
Especificamente sobre o planejamento da cidade…
Fizemos o PPA participativo e implantamos o projeto da Cidade Digital, que melhorou a comunicação da prefeitura, colocando internet banda larga em todos os setores.
Agora, em alguns pontos da cidade a internet não funcionou, como a rodoviária, praças.
Na verdade, esses equipamentos não fomos nós que escolhemos; o Ministério [das Ciências, Tecnologia e Inovação] mandou um pacote tecnológico pra nós e os roteadores tinham uma limitação. Quando havia uma quantidade de usuários, você tentava acessar e não conseguia. Nós também fizemos o Plano Municipal de Saneamento Básico – gerou muita polêmica por conta dos interesses, mas foi concluído. Foi uma coisa muito importante para Itabuna ter um planejamento sobre drenagem, água, esgoto e tratamento de água.
Esse plano foi alvo de questionamentos de que teria havido plágio…
Exato. Teve toda essa confusão, mas na verdade foi fomentada por alguns segmentos que até hoje se manifestam absolutamente contra algumas soluções apontadas para o problema da água. As pessoas que querem que fique como está.
Que pessoas são essas?
Olha… Alguns segmentos, especialmente ligados ao sindicato. Houve muita polêmica sobre isso, mas de fato o plano é bem construído e está apontando o que é necessário de investimento para solucionar o problema da água. O plágio não foi provado, eu sou professor e militei muito no Direito Penal. O ônus da prova cabe a quem acusa. Inclusive, essas pessoas que fizeram a denúncia precisam informar onde encontraram. Pra mim, isso está solucionado; o que importa é que isso foi resolvido. Itabuna tem um Plano Municipal de Saneamento Básico, está concluído, publicado. Eu te digo que é por conta de interesses sobre privatização, sobre PPP, sobre futuro dos funcionários, se passa ou não passa para o estado… todo esse desgaste e nós reformulamos um Plano Municipal de Habitação, com 100 por cento da equipe da Prefeitura, em convênio com a Sedur [Secretaria de Desenvolvimento Urbano] do Estado. Você viu alguma polêmica sobre isso? Porque não havia interesses relacionados a essa pauta. Senão, teria uma polêmica grande na cidade.
E com relação à Saúde?
Não tivemos uma experiência boa, embora tenhamos conseguido muito avanço, na área da Saúde – porque a Saúde estava completamente destroçada; era uma coisa para começar do zero –, por conta da divisão que existia dentro do governo, houve muito boicote a Renan, a Plínio e aos secretários que sucederam. Quem teve uma pequena trégua foi Bicalho.
Nós perguntamos ao então prefeito Vane sobre essa suposta divisão do governo entre o nicho evangélico e o nicho do PCdoB. Como é isso na sua ótica?
Olha, negar que o governo foi dividido … foi um governo com muita tensão interna… até por conta da visão de mundo, não é? No início do governo, eu tive uma conversa com o prefeito e perguntei sobre Carnaval. Ele me disse que não era prioridade, porque temos dengue e um monte de coisa. Eu falei: concordo, mas se eu conseguir os recursos e a Prefeitura não precisar colocar dinheiro, podemos tocar? Ele disse sim. Tinha um ano de governo já, eu acabei viajando pra São Paulo e de lá recebi um telefonema informando que o Carnaval seria cancelado. Então, isso é divergência realmente de pensamento.
Foi a primeira grande divergência entre vocês dois?
Eu acho que sim… Mas não tive divergência com Vane, a relação foi muito tranquila. Até porque, embora ele tivesse dado sinal verde para correr atrás do Carnaval, a decisão era dele; a última decisão é do prefeito. Mas esse processo que ocorreu dentro do governo, dessa divisão de opiniões, de divergência, de boicote, ocorreu dentro do primeiro e do segundo escalões. Diretamente com Vane, a relação sempre foi mais tranquila.
Até que ponto essa divisão foi um entrave para o andamento do governo?
Acho que algumas coisas que poderiam ser construídas a quatro mãos deixaram de ser feitas.
Por exemplo…
Carnaval, por exemplo [riso contido]. Outra coisa: nós tentamos fazer um processo de modernização, de georreferenciamento, onde pudéssemos utilizar a tecnologia para ter a cidade na mão. Ou seja, quantos quilômetros de ruas asfaltadas, pavimentadas, com drenagem, com esgoto, quantos imóveis residenciais, enfim, esse acompanhamento ajudaria inclusive na arrecadação do município. Chegamos e o governo Azevedo havia licitado esse serviço, o contrato estava assinado, de R$ 1,5 milhão. Nós licitamos e contratamos uma empresa de Vitória da Conquista, pra fazer o mesmo serviço com sistema aberto, em que a gente não ficaria escravo da empresa, aprenderia e, ao final, seria dono do próprio sistema. Infelizmente, não sei por que razão, esse projeto não andou. Não se viabilizou por conta dessa divisão. A empresa foi contratada, mas, como lhe disse, quem manda é quem paga, é quem decide as prioridades. A empresa chegou a trabalhar, mas como não recebeu… Atribuo isso a uma visão pequena, limitada, menor, independente de visão de mundo. Porque quem ganharia com isso seria o município; temos que pensar sempre dessa forma. Mesmo assim, muitas coisas foram feitas; acho que a gestão do prefeito Vane tem muitas coisas positivas que não se transformaram em marca justamente por uma dificuldade em se comunicar melhor.
O próprio prefeito apontou isso como uma das falhas, disse que não teve recursos para investir na comunicação.
Mas é como lhe digo: quem decide a prioridade é quem tem o comando do governo. Não seria um custo extremamente elevado para fazer um bom trabalho de comunicação, com bom resultado. E não estou falando para autopromoção, mas para que a população ficasse informada das coisas que estão ocorrendo. Digo a você: todas as obras de convênio que ocorreram no município de Itabuna a Secretaria de Planejamento jogou um papel decisivo. Desde a primeira que foi inaugurada, a obra do CEU [Centro de Artes e Esportes Unificados], nós conseguimos destratar, relicitar e acompanhar a execução. Claro que a Sedu ajudou na parte de engenharia, de acompanhamento. o “Pacão”, que é uma obra importante, não teve repercussão. O conjunto da cidade não sabe que o bairro Nova Itabuna hoje tem 100% de saneamento, está praticamente concluída a pavimentação; o Sinval Palmeira também e o Jorge Amado está em fase de conclusão a obra de drenagem de esgoto, para iniciar a pavimentação. A cidade não sabe disso. Não vou fazer críticas aos profissionais, foram bons profissionais que passaram pela Prefeitura, mas se você faz um contrato com o fornecedor de um serviço, faz um anúncio e não paga, esse veículo, além de não divulgar mais as coisas da Prefeitura, vai ficar chateado e fazer mais críticas à gestão. Então, acho que faltou essa visão de priorizar a parte de comunicação. Acho também que o governo deveria ter mecanismos mais céleres de decisão, algumas coisas ficaram para o fim.