Muitos bons momentos da minha juventude (e, penso eu, de muitos outros jovens) foram bons porque se passaram ao som de Belchior (1946-2017). Aqueles bons momentos se eternizaram. Belchior morreu, mas tudo continua. E por causa das suas canções, continua melhor do que era antes. Belchior continuará vivo nos corações e mentes daqueles que se emocionaram e refletiram ouvindo suas músicas. Belchior não será esquecido e quem não é esquecido, em verdade, não morre.
Lembro-me das tertúlias da minha juventude onde a literatura (poesia, muita poesia, e muita prosa) estava sempre presente, e, onde também estavam presentes as músicas de Belchior, claro! Disputávamos a seleção das músicas naqueles encontros. E, de repente, alguém da turma gritava: “agora é a minha vez… Belchior!” E todos os outros assoviavam, batiam palmas, em seguida fazia-se um silêncio instantâneo, à espera de Belchior cantar: “se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava; de olhos abertos lhe direi: amigo, eu me desesperava… Sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em 76, mas ando mesmo descontente, desesperadamente eu grito em português.” (“A Palo Seco”).
O tempo passa? Não sei. Caso passe, ele passa terminando, se acabando, iniciando ou se reiniciando? Não sei. O que sei é que perguntaram a Galileu Galilei (1564-1642), matemático, astrônomo e filósofo italiano, o seguinte: “quantos anos você tem?” E ele respondeu: “Oito ou talvez dez”, em evidente contradição com a barba branca que trazia no rosto. Logo em seguida, Galileu explicou: “Tenho, na verdade, apenas os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais, do mesmo modo que também não tenho as moedas que já gastei.”
Devemos, pois, como Galileu, valorizar o tempo que nos resta e não ficarmos lamentando o tempo que já passou. E, se formos inteligentes, “o tempo que nos resta” ainda pode ser muito bem aproveitado. Era assim que Belchior sentia e pensava a vida: “…vou viver as coisas novas que também são boas. O amor, humor das praças cheias de pessoas… Agora eu quero tudo, tudo outra vez…” (“Tudo Outra Vez”).
O escritor argelino Albert Camus (1913-1960), disse que no momento que o ser humano se torna consciente, desperto, lúcido o sentimento de absurdo vem logo à tona, ou melhor, nas palavras do próprio Camus: “logo que o pensamento reflete sobre si próprio, aquilo que primeiro descobre é a contradição”. Deste modo, entre pensamentos e sentimentos, os homens buscam compreender a vida, a morte, suas trajetórias, mas, o que encontra é o incompreensível. Belchior, contudo, sentiu e pensou diferentemente: “eu não estou interessado em nenhuma teoria, nem nessas coisas do oriente, romances astrais. A minha alucinação é suportar o dia-a-dia e meu delírio é a experiência, com coisas reais”. (“Alucinação”).
Hannah Arendt (1906-1975), filósofa alemã refletiu: “o milagre da liberdade está inserido nesse poder de iniciar, que, por sua vez, está inserido no fato de que todo homem, ao nascer, ao aparecer em um mundo que estava aí antes dele e que continuará a ser depois dele, é, ele mesmo, um novo início”. E Belchior soube ser o “inicio” de si mesmo muitas vezes: “Eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais; Como um galo, quando havia… quando havia galos, noites e quintais. Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo o mal que a força sempre faz. Não sou feliz, mas não sou mudo: hoje eu canto muito mais”. (“Galos, Noites e Quintais”).
Agora temos que nos despedir do corpo físico de Belchior, mas não de sua sensibilidade artística, que é imortal. E por isso é impossível não lembrar outra bela composição dele: “… não há mais abandono nem reino de ninguém, se a terra já tem dono, o céu ainda não tem. Por isso vem; deixa o cansaço, apressa o passo e vem correndo pro terraço e abre os braços para o espaço que houver” (“Espacial”).
Enfim, Belchior deixou tudo de lado para se reinventar incessantemente. E em mais uma de suas belas canções, nos disse: “Meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão, o meu som, a minha fúria e essa pressa de viver. E esse jeito de deixar sempre de lado a certeza e arriscar tudo de novo com paixão” (“Coração Selvagem”). Belchior fez com paixão suas canções e nós nos apaixonamos com ele e por ele (e, certamente, tornamo-nos mais sensíveis diante da vida!).
Cláudio Zumaeta – Historiador graduado pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC, Ilhéus – BA) Administrador de Empresas graduado pela Universidade Católica de Salvador (UCSAL, Salvador – BA). Especialista em História do Brasil (UESC, Ilhéus – BA). Mestrando em História Regional e Local (UNEB Campus V, Santo Antonio de Jesus). Membro da Academia Grapiúna de Letras (AGRAL).