Geralmente falamos daquilo que vemos, pensando que estamos dizendo exatamente o que os olhos nos mostram. Mal nos damos conta de que existem mais coisas, entre os objetos e nossa visão, do que imagina a nossa vã filosofia. Uma dessas coisas, situada entre nossos olhos e o mundo que vemos, é a linguagem. Não vemos apenas com os olhos, mas também com os discursos. É o discurso sobre os mágicos que impede que acreditemos que a mulher foi serrada ao meio, embora nossos olhos nos mostrem isso. É o discurso do padre ou do pastor, sobre o ceu e o inferno, que nos fazem “ver” a ambos, embora nossos olhos nada nos mostrem. Portanto, os discursos, feitos com a linguagem, tanto nos levam a não acreditar no que nossos olhos mostram, como nos levam a acreditar naquilo que nossos olhos não nos mostram. Vemos, então, que enxergamos mais com os discursos do que, propriamente, com os olhos. O marido traído é sempre o último a saber porque ele acredita muito mais no discurso de fidelidade da mulher do que nas evidências que saltam aos olhos de todos. Quando falamos das coisas que vemos, não estamos falando apenas de imagens captadas por nossos olhos, mas estamos falando, ao mesmo tempo, de imagens submetidas a conceitos discursivos. Quando vemos Lula na televisão, estamos vendo um ex-operário, líder de um partido político dos trabalhadores, capaz de governar o país, melhorando a condição de vida dos brasileiros? Ou estamos vendo um operário ignorante, que nem sabe falar direito, querendo ser presidente para mergulhar o Brasil na baderna? A imagem dada pelos olhos é a mesma, mas as imagens dadas pelos discursos político-ideológicos são diferentes.