E quando a busca vira fuga?


Esforço porque é uma caminhada de encontro com inúmeros conteúdos


 Mariana Benedito*

 

Busca. Esforço no sentido de achar alguma coisa, de descobrir algo. Investigação. Tentativa. Pretensão. Quando eu falo aqui, nesta coluna, da busca pelo autoconhecimento, meu querido leitor, é sobre o caminho a se percorrer na tentativa de se descobrir, num esforço de autoinvestigação. Esforço? Sim, mas não no sentido de sacrifício. Esforço porque é uma caminhada de encontro com inúmeros conteúdos, emoções, sentimentos, sensações que passamos a vida inteira escondendo ou fugindo ou evitando. Desconfortável no começo, requer persistência, entrega. Mas plenamente possível e bem libertador saber que podemos tirar o piloto do automático e pensar antes de reagir no impulso.

Só que é preciso abrir um parêntese aqui. Porque quando a gente se embrenha nessa mata escura de nós mesmos – que é a nossa mente – nos deparamos com emoções e sentimentos e sensações que passamos uma vida entendendo que eram inapropriados, inadequados, que era feito sentir: raiva, agressividade, inveja, culpa, medo. E a primeira reação é pensar: “eita, eu não posso sentir isso!”. Mas, acredite, nós somos tudo isso! E não temos como fugir daquilo que simplesmente é. E é aí que entra um outro departamento: a imagem estereotipada do buscador. Um ser humano que não pode sentir. Um ser humano que, em sua essência se diferencia dos outros animais pela capacidade de racionalizar suas emoções, sentir e entender, precisa deixar de sentir. Como?

E a coisa ainda vem acompanhada por uma errônea ideia de que quem busca se autoconhecer, precisa sempre estar zen, com aquele sorrisinho plácido das famosas imagens de Buda e pior, não pode se misturar com a gentalha do mundo, parafraseando Dona Florinda, do Chaves. Porque quando se adquire um tiquinho de entendimento de uma parte das coisas, porque existem mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia, acontece um movimento muito peculiar – que aconteceu comigo, óbvio – de achar que somos superiores aos reles mortais que ainda estão dormindo e não despertaram o olhar para dentro.

Viver as coisas humanas, mundanas”, os envolvimentos, as diversões passam a ser coisas menores porque estamos num patamar muito evoluído de entendimento da consciência. Ora, pois. Me poupe, se poupe e nos poupe! Isso aí nada mais é do que a entrada do ego na jogada, naquele achismo todo de que já entendeu como tudo funciona, nos colocando num pedestal de superioridade. Um status de desperto! Uma máscara de que estamos trilhando a jornada com presença. Presença do ego, isso sim. Porque a partir do momento em que o pensamento é de segregação, separação, alguém acima ou melhor do que outro… lamento dizer, amado leitor, é ego! Vaidade. Orgulho. Aquela velha tentativa de mostrar ser aquilo que não somos para sermos aceitos e vistos com bons olhos. Voltamos ao início do ciclo. Ou seja, nada de evolução, de entendimento, de mudança. Apenas trocamos os mecanismos de defesa e fuga por outros mais bonitinhos, mais nobres. Mas continuamos fugindo.

A busca vira fuga quando mostrar que está trilhando a jornada do autoconhecimento é mais importante do que realmente trilhar. Quando se mostrar inteiro e presente traz alienação emocional e repressão, ilusão sobre o próprio despertar, visão de que tudo é ilusório – inclusive o sofrimento – como uma forma de fugir daquilo que sente, daquilo que dói. A busca vira fuga quando crenças e práticas espiritualistas por exemplo – que têm como objetivo o alinhamento daquilo que somos em essência, algo maior, com a realidade que vivemos aqui e agora – passam ao invés de alinhar, evitar lidar com os sentimentos dolorosos, com as dores e feridas ainda não cicatrizadas; quando a ideia é fugir das questões desconfortáveis. A busca vira fuga quando ajustamos a lente para enxergar os caminhos de autoconhecimento e espiritualidade como possibilidades de nos vermos livres da dor, da angústia, do sofrimento.

E te digo, amado leitor, se tem uma coisa que eu aprendi e que vale como incentivo à observação, é que o único caminho de se curar da dor, é senti-la.

Quanto mais fugimos, quanto mais nos enganamos seja lá com quais ferramentas e defesas, mais a dor persiste.

O único caminho para fora da dor é através dela.

Se permita sentir. De verdade.

 

* Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria.

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