Minhas Raízes


Artigo da escritora itabunense Elilde Browning, hoje morando em SP e também nos Estados Unidos


Elilde Browning e Jorge Amado foram grandes amigos (Foto: Oziel Aragão)

 Estava diante daquela plateia no auditório da Câmara dos Vereadores por convite da nobre Vereadora Charliane Sousa, para falar aos meus conterrâneos sobre os meus livros “E assim foi a vida” e “Crônicas de um tempo infinito”, quando, distraidamente, o meu pensamento reviveu os momentos que antecederam esse encontro. Olhava as pessoas e tinha a certeza de que poucos tinham a minha idade. Portanto, tinha uma grande missão para relatar o que vi e vivi em todos esses anos de minha ausência desta cidade.

Depois de 61 anos voltei a minha cidade Natal, Itabuna, na Bahia. Quando o avião sobrevoou aquele lugar o meu coração disparou num misto de alegria, surpresa, curiosidade e contentamento.

No aeroporto havia um cartaz: Seja bem-vindo a Ilhéus, terra de Jorge Amado. O meu coração fez um disparo inicial elevando o meu pensar para os grandes momentos vividos no passado. As lembranças nos dão o privilégio de sentir de forma real e vivenciá-las como se elas nunca tivessem morrido.

Percebi que a cidade de Ilhéus, em sua formosura ímpar, teve notáveis avanços. Uma ponte ligando o continente à ilha onde há o aeroporto fez daquele lugar um paraíso de milionários em seus suntuosos edifícios com vista para o mar. Nesse dia o oceano estava calmo e pude me lembrar da entrada de grandes navios que levariam o cacau de nossa região para o mundo. Havia sempre a necessidade de um técnico para verificar as condições naquela entrada perigosa. Hoje o porto de Ilhéus se mudou para a praia do Malhado onde o mar é aberto e sem oferecer problemas aos navios de grande porte.

Na minha adolescência morei na praia do Malhado: um pé dentro de casa e o outro na areia nos dava a certeza de que o mar era a nossa varanda. Foi um privilégio morar naquele lugar quando os meus sonhos estavam nascendo em meu pensamento e, diante daquela imensidão de água, sabia que ali ou em outro lugar eles se tornaram realidade. Quantas lembranças afloraram a minha alma! Naquele momento ao rever este espetáculo da natureza senti uma saudade imensa dos meus tempos idos e agora a certeza de ter realizado aqueles sonhos e todos os que eu nem imaginava que pudesse realizar.

Aquela ilha lá no meio do oceano continua no mesmo lugar. E como se o tempo não tivesse passado e ela ali esperando para me rever e dá as boas-vindas de um retorno feliz.

A cidade se elevou numa posição vertical. Talvez para ser possível se descortinar em maiores dimensões um mar sem igual. Em minhas viagens pelo mundo vi muitos oceanos, todavia aquele de nossa adolescência é o mais belo, mais azul e o mais poderoso. Tive o privilégio de morar perto do mar durante toda a minha vida e sempre me recordava dos meus dias em Ilhéus.

Andando pelo centro da cidade tive um encontro com Jorge Amado ali sentadinho em frente ao restaurante Vesúvio tão antigo como a cidade nos seus primórdios. Abracei-o, beijei-o e senti-o vivo em minha memória e em meu coração. Adiante a casa que o abrigou, e, ali ele está de pé a receber carinhosamente os visitantes do mundo inteiro.

As comidas do restaurante continuam com o sabor incomparável. Aquela comida que somente a baiana sabe fazer: temperada, apimentada e um deleite para os olhos e um gosto para o paladar. O azeite de dendê dá um colorido incomum aos pratos típicos da região. Tudo servido com maestria e capricho para nos deixar alimentados e felizes.

A igreja ao lado foi uma construção concluída após a minha saída da cidade. Ela reina imponente com o mar batendo ao seu redor. A minha escola nas proximidades lembrou-me, certa vez, de uma pergunta que a professora Aída Fogueira nos fez: O que é praia? Ficamos atônitos olhando para fora vendo o mar e a praia sem saber a resposta. Depois de algum tempo ela falou: Praia é uma porção de areia banhada pelo mar. Hoje eu diria que, praia é um aconchego do mar com a areia numa simbiose perfeita de felicidade.

A estrada entre Ilhéus e Itabuna sofreu alguns ajustes. O rio Cachoeira que vem de Itabuna escorrega-se por entre pedras e no encontro com o Rio Almada vão em direção ao mar. Vi no caminho uma Universidade mostrando que o conhecimento chegou, àquele lugar, propiciando aos estudantes um descortinar de novas oportunidades.

Surpreendi-me com o suco de cacau que na minha época não existia. Por que? Perguntei a um conterrâneo: – Descobrimos que o cacau além de tudo nos dá esse suco gostoso e cheio de fibras. Basta acrescentar um pouquinho de açúcar e eis aí mais uma descoberta da criatividade dos baianos.

O meu coração pulava à proporção que nos aproximávamos de Itabuna. A minha mente rodopiava numa ansiedade própria de quem não vê o seu lugar de nascimento por tantos anos.

À entrada da cidade me surpreendi com um comércio variado: Lojas, supermercados etc. A medida em que me aproximava do centro identifiquei algumas ruas. Muitos prédios e casas diferentes. Quando cheguei a um jardim no centro relembrei que foi ali naquele lugar onde caminhava, diariamente, do centro da cidade para a minha casa que fica nas imediações. Ao lado o posto de saúde continua do mesmo jeito. A feira a esquerda diminuiu de tamanho mais a venda de produtos aguça o nosso olhar para a variedade de frutas e legumes, alguns típicos da região.

A avenida cinquentenário corta a cidade por inteiro. É a principal da cidade. Ao seu redor vislumbrei outras praças com o coração saudoso de tantos momentos que vivenciei, namorei e fizemos juras de amor.

Revi o antigo prédio da prefeitura onde trabalhei por algum tempo. Continua com a mesma pintura. A impressão que tive é que o tempo parou naquele lugar para me dar a certeza das lembranças que não se apagaram.

Visitei a minha primeira escola “Lúcia Oliveira “que continua do mesmo jeito e agora abriga uma creche e as dependências do curso ginasial onde fui aluna da primeira turma.

A Igreja Batista onde recebi lições que pautaram o meu viver dentro da confiança inabalável em Deus. Tinha a certeza de que os meus dias seriam seguidos com a proteção do Criador em qualquer lugar que estivesse e com quem. Caminhei confiante pela vida e certa que alcançaria realizar todos os meus sonhos.

E o rio Cachoeira? Meu Deus! O meu corpo arrepiou e identifiquei o lugar exato onde ainda criança lavava roupa com a minha mãe. Hoje ele corre mansinho e sem as pedras que deram origem ao seu nome. O represamento feito foi talvez para esconder, que assim como a vida, encontramos muitas pedras pelo caminho e nunca devemos nos preocupar com elas. O importante é transpô-las e seguir em frente.

A ponte velha a mais antiga da cidade que dava acesso ao bairro da Conceição agora transita apenas pedestres. Ela ficou cansada e frágil para suportar peso e também porque a sua missão já se cumprira. Outras foram construídas para atender a uma grande população que cresceu do outro lado do rio, como falávamos naquela época. Toda aquela enorme área hoje abriga mansões, comércio e até um shopping nos moldes das grandes cidades. Foi fantástico rever este lugar e deixar que em minha mente voltasse ao passado e visualizasse aquela área onde a vegetação era a dona absoluta de tudo.

O progresso chegou. Os habitantes aumentaram e fazia-se necessário essas transformações para ser possível abrigar os novos Itabunenses.

Visitei o cemitério e a Santa Casa que ficavam unidos apenas no espaço de uma rua. Esta diminuiu para dar lugar a novas construções de ambos.

O grande momento foi visitar a casa onde nasci. Agora já não é mais a mesma. Foi trocada de proprietários e o último construiu um imponente prédio de dois andares. Dentro dos meus olhos e em minha mente vi aquela que me trouxe ao mundo há oitenta anos, bem como o meu único filho.

Detive-me à sua frente e revivi cada detalhe de todos os anos que permaneci ali até a minha saída para enfrentar o mundo em lugares bem distantes. A emoção subiu ao patamar mais alto do meu pensar. Senti saudades também de toda a família e hoje todos estão dispersos pelo mundo, nos Estados Unidos e na Europa. Poucos continuam no Brasil. Havia uma cisterna próxima onde tirávamos água para as nossas necessidades. Logo ao amanhecer descíamos aquela ladeira e voltávamos carregando na cabeça uma vasilha com pouco mais de 20 litros. Éramos felizes. Não conhecíamos ainda o mundo e tudo de bom e ruim que existe. O sol desmaiava atrás da Santa Casa e sempre nos avisava que voltaria no dia seguinte em outra posição. As noites de luar eram simplesmente fantásticas. Havia pouca iluminação nas casas e nas ruas e ela brilhava imponente derramando todo o seu esplendor sobre nós.

Naquele movimento de pessoas estranhas na minha rua alguns moradores abriram as portas de suas casas para verem o que estava acontecendo. Surpresa absoluta: Encontrei pessoas que ainda moram nas mesmas casas. Foram momentos de muito contentamento. Abraçamo-nos e choramos ao relembrar aqueles velhos tempos. Logo adiante encontrei outros moradores antigos. A saudade apareceu me avisando que muitos já se foram deste mundo. Todos nascemos um dia e todos morreremos também. Tive o privilégio de rever aquele lugar onde a minha vida começou e a oportunidade de agradecer a Deus de ter voltado àquele chão que me trouxe ao mundo.

Notei algumas casas fechadas e desfiguradas pelo tempo. Os seus habitantes, meus vizinhos, se foram para a morada eterna e os seus familiares também. Não restou ninguém que pudesse cuidar daqueles patrimônios. Certamente o tempo irá consumir devagarzinho até que nada mais reste. Nesse instante lembramos que nesta vida tudo se modifica, tudo se transforma, tudo tem começo e fim. Todavia, durante o trajeto dos acontecimentos devemos viver intensamente cada segundo para que um dia tenhamos consciência de que tudo valeu a pena.

Quando me foi dado o direito de falar àquela plateia contei-lhes toda a minha trajetória pelo mundo, as dificuldades encontradas e as grandes vitórias alcançadas. Apresentei-lhes os meus livros e em alguns momentos enfatizei que o mundo pertence àqueles que sonham, lutam e persistem. A vitória inegavelmente chegará porque ela caminha ao lado de pessoas especiais, para no final da jornada receber os aplausos. O mais importante é que ela sabe a quem seguir. A sua sabedoria é incontestável. E, ainda, a vereadora Charliane mencionou a minha idade e falou que ainda tenho saúde perfeita. Em seguida afirmei: “Quando se tem sonhos e projetos a realizar a saúde fica de plantão esperando para ser feliz também”

Finalizando as minhas palavrinhas apresentei o meu livro “E assim foi a vida”, editado pela Editora Appris, de Curitiba, com a seguinte mensagem: “Descubra neste livro a poderosa força da mente e os meandros para vencer as dificuldades da vida.

“E Crônicas de um tempo infinito”, também editado pela mesma editora, que a essência do ser humano é igual no viver e no sentir, ignorando o lugar, o século, o ano e os dias em que esses relatos aconteceram e certamente fará profundas reflexões. Espero que estas crônicas sirvam de exemplos para o seu cotidiano e um conforto para a sua alma.

Os aplausos que recebi no final me deram a certeza de que a minha luta pela vida não foi em vão e que muitas pessoas poderão se sentir motivadas para a realização de seus sonhos.

Fui presenteada com um troféu e uma “Moção de Congratulações” da Câmara de Vereadores da cidade de Itabuna pelos relevantes serviços prestados ao município de Itabuna, retratando internacionalmente em minhas obras, a cultura e os costumes nos quais encontram inseridos a família itabunense.

E assim findou a minha viagem a Itabuna e trazendo comigo a certeza de que voltarei para reviver outros momentos fantásticos ao lado dos meus queridos conterrâneos e também fazer o lançamento do meu terceiro livro que se chamará “Voltando a viver”.

 

Elilde Browning

 

Autora dos livros “E assim foi a vida “e a versão em inglês “Paths of life”,

“Crônicas de um tempo infinito”.