Prefeito manda desativar a “Escola da Vergonha’ em Ilhéus



Alunos de Piaçaveira (1)

Jeane e Eriane. Vinte e cinco anos separam as duas – mãe e filha – de uma triste realidade. Eriane é aluna da Escola Nucleada do Japu, na localidade de Piaçaveira, zona rural de Ilhéus. A escola de tábuas que retrata uma lamentável realidade da educação nacional ganhou repercussão após as suas condições serem exibidas pelo programa Fantástico.

Sorte que Jeane dos Santos Silva Oliveira, hoje com 27 anos, não teve. A mãe de Eriane também foi aluna da mesma escola. E nas mesmas condições de funcionamento. “Pouca coisa era diferente. E olha que estudei aqui desde que me entendo como gente”, afirmou, ontem, ao ser entrevistada pelo Diário Bahia. Entre a realidade da mãe e da filha, passou-se um ¼ de século no tempo e pelos menos quatro administrações municipais – dos prefeitos Jabes, Valderico, Newton e Jabes de novo – que tiveram a oportunidade – e a caneta na mão – para resolver o problema. Não resolveram.

Jeane e Eriane, duas gerações que passaram pelo mesmo problema (2)

Caminho difícil

“Talvez por achar que a gente não estava no mapa”, ironiza dona Idalina, antiga moradora da região. É fato, que para chegar a Piaçaveira é preciso um carro de tração e sorte, muita sorte. Cancelas precisam ser abertas, o carro passar por dentro de um rio, além de contar com o tempo ensolarado.

A professora Edilene de Jesus Almeida, a que mais tempo leciona na escola – outras passaram e desistiram –, há quatro anos viaja todos os dias do município de Buerarema até lá. Para chegar, sem atraso, vai de carona em uma moto. “Teve dia que cheguei a dar aula, o dia inteiro, toda suja de lama. Caí no caminho”, lembra.

Onde durante todos estes anos funcionou a sala de aula nucleada foi um espaço originalmente construído para abrigar as ações da Associação Riachão Piaçaveira. O dono do terreno tentou vender o imóvel à Prefeitura. Mas, por falta de documentação, a solução foi doar e manter a escola em atividade.

Drama antigo

Edilene Jesus Almeida, a professora que não desiste

O que hoje se tornou a imagem mais marcante de Piaçaveira, por causa da televisão, já era do conhecimento de vários prefeitos que passaram pelo Palácio Paranaguá. “No governo passado veio um engenheiro, a direção trouxe. Mediram tudo e ficou nisso mesmo, nada”, contou a professora.

Levantamento feito pela secretaria municipal de Educação aponta que das 119 escolas da rede municipal apenas 53 estão localizadas na sede de Ilhéus. As demais, na zona rural. Deste total, pelo menos 60 necessitam de reforma. E, desta quantidade, 20 precisam ser demolidas e reconstruídas. “São prédios e casas adaptadas como escolas que ficaram muitos anos sem manutenção por parte dos governos que passaram por Ilhéus”, explica Eliane Oliveira, atual secretária municipal de Educação.

Previsão de mais estudantes

Eliane lembra que este levantamento faz parte de um estudo do atual governo, já que até 2020 o município terá que assumir uma parte dos estudantes da rede estadual. Até o nono ano do ensino fundamental, a responsabilidade será repassada ao município. “Se assumíssemos isso hoje, teríamos que aumentar a nossa capacidade de atendimento em quatro mil novas vagas”, calcula Eliane Oliveira.

Mais vagas. Mas.. em que escolas? A nova gestão, que assumiu há cinco meses, planeja a construção de novas e a recuperação de várias outras. Desde abril trabalha para mudar a realidade de Piaçaveira. Algumas têm projetos elaborados, aguardando aprovação de recursos. Uma outra lista, o prefeito Mário Alexandre já entregou ao governador Rui Costa, pedindo ajuda. Não há recursos municipais para investir nas obras.

Burocracia

“Só que isso não pode acontecer da noite para o dia. Há processos burocráticos que demandam tempo e exigem paciência”, explica a secretária. Hoje, o que se consegue executar na rede são pequenas reformas e ajustes estão sendo feitos até em escolas recém inauguradas às pressas no final da gestão anterior. Devido às obras inacabadas novas etapas de engenharia foram necessárias, para poderem funcionar. Foi o caso da Escola do Salobrinho. Embora inaugurada em 23 de dezembro do ano passado, vários ajustes e reparos foram executados, um mês depois.

No caso de Piaçaveira, a secretária Eliane Oliveira anunciou ontem a desativação da sala e a suspensão das aulas para adoção de providências imediatas. Elas não acontecerão mais na casa de madeira mostrada pelo Fantástico e repercutida por muitos outros veículos de comunicação do País.

Fim da sala

O governo conversou com as famílias e pediu um prazo de uma semana para definir o novo local de funcionamento provisório da escola. “Estamos estudando três possibilidades. Os donos dos espaços estão organizando documentação para que possamos firmar o contrato de aluguel”, revela Eliane.

A casa de madeira, cenário da realidade de Jeane, de Erine e da missão heroica da professora Edilene não existirá para futuras gerações de Piaçaveira. O prefeito Mário Alexandre estabeleceu como prioridade a extinção dessas estruturas precárias que vêm sendo utilizadas pela rede municipal de ensino e determinou a construção de uma nova escola para atender aquela comunidade.

O terreno – a principal dificuldade para a realização da obra – acaba de ser doado pelo agricultor Miguel Domingos Dias. “O governo de Ilhéus vai transformar a ‘escola da vergonha’ num símbolo da nossa indignação com as mazelas que há décadas afligem as nossas crianças e prejudicam o seu aprendizado”, garantiu o prefeito. Em breve, o futuro de Piaçaveira terá mais dignidade.