Eu não sei se você já percebeu, meu amado leitor, mas existe um fenômeno curioso que vem ganhando força: a ideia de que ser autêntico significa falar tudo o que vem à cabeça, sem filtro, sem consideração pelo impacto das palavras, sem o mínimo de autorresponsabilidade. Uma crença que confunde sinceridade com brutalidade e que tem produzido um rastro de relações disfuncionais, ambientes hostis e indivíduos que se orgulham da própria falta de tato. Mas sejamos honestos: será que esse “sincericídio” é realmente sobre autenticidade? Ou será que, na verdade, apenas mascara uma incapacidade de lidar com as próprias emoções, de compreender os limites alheios e de se comunicar de maneira madura?
Autenticidade está diretamente ligada à combinação entre o que sentimos, pensamos e expressamos; é viver de forma genuína e alinhada com suas emoções e valores. No entanto, essa autenticidade não acontece de forma impulsiva ou destrutiva. Muito pelo contrário, ela exige consciência, maturidade e um olhar atento para o impacto que causamos no mundo. Autenticidade nunca foi um passe livre para a grosseria! E mais: a dificuldade em expressar pensamentos e sentimentos com respeito não é sinônimo de franqueza, mas de imaturidade emocional. Quando uma pessoa justifica sua dureza com frases como “eu sou assim mesmo” ou “gente autêntica fala na cara”, o que ela realmente está dizendo é: “eu não desenvolvi habilidades emocionais suficientes para me comunicar de forma positiva, edificante.”
Vivemos tempos de hiperindividualismo, onde a valorização da própria identidade muitas vezes ignora a existência do outro. Há quem confunda autenticidade com autoafirmação desmedida, como se ser verdadeiro significasse sempre se impor, sempre dizer o que pensa, sempre colocar suas opiniões acima de qualquer outra coisa. O problema disso? Essa visão ignora um fato básico sobre a convivência humana: a comunicação não é só sobre quem fala, mas também sobre quem ouve. A comunicação é uma troca, é uma via de mão dupla. O que dizemos passa por filtros internos e externos antes de ser compreendido. Quando falamos sem considerar quem está ouvindo, sem levar em conta o contexto, as emoções envolvidas e a receptividade do outro, estamos apenas despejando nossas verdades sem qualquer preocupação com o impacto delas. Isso não é autenticidade, é negligência!
E, por trás desse comportamento, geralmente existe uma dificuldade de lidar com frustrações e críticas. É um combo da casa! Muitas pessoas preferem ser vistas como “autênticas e duras” a admitirem que têm medo de rejeição ou de parecerem vulneráveis. A “sinceridade sem filtros” se torna uma armadura que protege contra a possibilidade de serem questionadas ou desafiadas.
Ser autêntico não significa apenas dizer a verdade, mas assumir a responsabilidade sobre como essa verdade é dita. Uma pessoa realmente autêntica é aquela que tem coragem de ser transparente, mas também a sabedoria de comunicar suas verdades de forma que construa, em vez de destruir. E aqui entra um ponto essencial: autenticidade está diretamente ligada à vulnerabilidade. Ser vulnerável não significa ser fraco, mas ter a coragem de se expressar sem precisar se esconder atrás da agressividade. A verdadeira autenticidade não grita, não impõe, não fere deliberadamente. Ela se expressa com firmeza, sim, mas também com empatia. Isso significa que precisamos mentir ou mascarar nossos sentimentos para evitar conflitos? De forma alguma, não é sobre isso. Mas significa, sim, que a forma como escolhemos nos comunicar pode ser um reflexo do nosso próprio nível de desenvolvimento emocional.
Não é a toa que existe aquele ditado: “não é o que se fala, mas como se fala”. Falar a verdade não é o problema, meu amado ser que lê essas linhas aí do outro lado. O problema é quando essa verdade é usada como arma, e não como ponte. O problema é quando a comunicação se torna um foco de autoafirmação em vez de um canal de conexão. Se queremos evoluir emocionalmente, precisamos aprender que a comunicação saudável passa por alguns princípios básicos: escolher o momento certo para falar, observar a intenção por trás das palavras, considerar o impacto que elas terão no outro e ser firme sem ser agressivo, sustentando o que está sendo comunicado.
Nem toda verdade precisa ser dita na hora que pensamos nela. Às vezes, esperar o momento adequado pode fazer toda a diferença. Além disso, antes de falar, precisamos nos perguntar: estamos nos expressando porque queremos contribuir ou apenas descarregar nossa frustração? Ser verdadeiro não significa ignorar os sentimentos alheios. A empatia nunca invalida a autenticidade, pelo contrário, a fortalece.
No fim das contas, meu caro leitor, a pergunta que precisamos nos fazer não é se estamos sendo autênticos, mas sim que tipo de impacto queremos causar no mundo. Se sua autenticidade tem afastado as pessoas, gerado conflitos desnecessários e criado um ambiente de tensão ao seu redor, precisa mesmo que eu desenhe? Talvez seja apenas uma máscara para esconder inseguranças. A verdadeira autenticidade nos torna mais humanos, mais acessíveis, mais dispostos a construir relações sólidas baseadas em respeito e verdade.
Então, da próxima vez que sentir vontade de “falar na cara”, faça uma pausa e pergunte-se: o que estou tentando comunicar? Isso realmente precisa ser dito agora? Minha verdade está sendo uma ponte ou um algoz? Porque ser autêntico não tem nada a ver com ser cruel. É, antes de tudo, um ato de coragem e consciência.
Mariana Benedito – Psicanalista e Psicoterapeuta
Instagram: @maribenedito