Há algo profundamente simbólico, para não dizer gritante, nesse recente surto coletivo em torno dos bebês reborn. De repente, adultos em pleno uso de suas faculdades mentais se encantam, investem e se apegam a bonecos de silicone com feições realistas de recém-nascidos. São bebês que não choram, não adoecem, não exigem noites em claro ou fraldas trocadas a cada três horas. São, em essência, projeções perfeitas da parte boa da maternidade e da paternidade. Adoçam o afeto sem exigir esforço. E isso, meu querido ser que me lê do outro lado, é de uma imaturidade emocional profunda.
Antes que se levantem vozes para justificar com argumentos terapêuticos — sim, eu reconheço que, em certos contextos de luto ou trauma, os reborns podem atuar como instrumento simbólico de cura. Mas o que me chama atenção aqui é a massificação da coisa como normal. É o uso estético, afetivo, midiático e descompromissado desse objeto, como se ele pudesse preencher o lugar do vínculo real, do afeto real, da responsabilidade real.
A pergunta que não quer calar é: o que está acontecendo com a nossa maturidade emocional? Estamos mesmo dispostos a abrir mão de tudo que envolve a vida real — sua densidade, seus desafios, seus preços — para viver numa bolha estética de afeto estéril e conforto emocional garantido?
A vida adulta, meu amado leitor, é composta de dores e delícias, como já conversamos por aqui. Quem busca apenas prazer, como já escrevi certa vez, encontrará inevitavelmente a frustração. A recusa a lidar com a parte crua da existência — com o cansaço, o choro, o conflito, a impermanência — é um sinal claro de regressão psíquica, de resistência ao amadurecimento.
Quem foge da realidade com medo de se frustrar está, na verdade, construindo uma fantasia onde a dor não entra. Só que nessa fantasia, meu amado, também não entra a vida. Porque a vida exige presença. E presença inclui cansaço, dúvida, tropeço, incômodo. Cuidar de uma vida humana real é se colocar em risco. É lidar com o imprevisto, com o descontrole, com o erro. É justamente aí onde a vida pulsa, meu Deus do céu!
E me permita dizer mais uma coisa com carinho e firmeza: quando escolhemos viver apenas a parte “gostosinha” da vida adulta — como quem brinca de casinha com um bebê de silicone — deixamos de contar a nossa história em primeira pessoa. Viramos espectadores da nossa própria existência, terceirizando o que é intransferível: o compromisso com a realidade.
Talvez você ache tudo isso exagero. Mas repare: se estamos substituindo vínculos humanos por bonecos, se estamos preferindo a aparência do cuidado à vivência real dele, então precisamos encarar a pergunta que ecoa: de que tanto estamos fugindo?
É mais confortável apertar o botão “off” de um bebê de silicone do que lidar com o descompasso emocional de um filho. É mais fácil fantasiar uma maternidade sem falhas do que olhar para nossas feridas não resolvidas. É mais simples amar algo que não responde, que não exige, que não confronta. Mas também é profundamente solitário.
Ouso dizer que esse fenômeno é um pedido por amor. Um grito abafado por acolhimento e sentido, camuflado sob camadas de silicone e roupas de tricô. Mas amar de verdade exige entrega, vulnerabilidade, presença. E isso, meu amado leitor, não se compra em prateleira.
Que a gente não se perca da realidade. Que a gente escolha a vida real — com toda a sua imperfeição — ao invés da fantasia perfeita, mas vazia. Que a gente confie mais na vida, mesmo quando ela nos exige demais. Porque, no fim das contas, a verdadeira maturidade é encarar o mundo com os dois pés no chão e o coração disposto a viver tudo o que for necessário viver.
Mariana Benedito – Psicanalista e Psicoterapeuta
Instagram: @maribenedito