Antes ou depois de 1888 o racismo institucional é o grande desafio a ser vencido


O assunto é tema de um comentário do professor Egnaldo Ferreira França


Por Egnaldo Ferreira França*


Embora alguns historiadores afirmem que em 1550 já haviam escravizados negros em território brasileiro, os registros oficiais só indicam essa presença a partir de 1560. Assim, a Coroa Portuguesa facilitava a vida de seus enviados no processo de dominação e exploração do novo mundo tornando o mercado negreiro uma fonte lucrativa que beneficiou as elites que revezou o poder durante a História do Brasil pós invasão de 1500. A discriminação, exclusão e violência tornaram-se as marcas que transcenderam o tempo e ainda perturbam o sono da maioria da população negra ainda hoje.

Até o fim do Brasil Império negros não tinham direito ao acesso à escola pública de acordo com o Decreto n. º 1.331-A de 17 de fevereiro de 1854, assinado por Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, ministro e secretario d’estado dos negócios do império e a não permanência na escola pública é afirmada pelo Decreto 7031-A de 6 de setembro de 1878, estabelecendo que negros só podiam estudar no período noturno. O problema era encontrar professor e escola que acolhesse esse público no horário permitido.

Até chegar a abolição da escravidão alguns dispositivos legais conhecidos como “leis para inglês ver” foram decretados, a exemplo da Lei do Ventre Livre e Lei do Sexagenário que na prática nada resolvia e maquiava a imagem do país como um seguidor da nova tendência internacional após a Revolução Industrial. Fato é que a lei que estabeleceu a abolição da escravidão em 1888, sem qualquer tipo de reparação ao povo negro pelos séculos de trabalho em regime forçado e sem implementação de qualquer política de integração social da população negra, apenas estabeleceu um “porta-fora” das fazendas e não criou mecanismos para resolver o que estava por vir a partir de 14 de maio deste ano. A Política do Branqueamento ou do Embranquecimento apontada por pesquisadores e defendida no Congresso Universal das Raças em 1911, tendo como representante brasileiro João Baptista de Lacerda e apoiado por outros cientistas e estudiosos da época, tratava-se de uma ideologia política eugenista que definia o extermínio da população negra em um prazo de cem anos.

O primeiro código penal republicano no Brasil em 1890, teve um impacto significativo e prejudicial sobre a população negra, perpetuando a criminalização e marginalização dessa etnia. A Lei da Vadiagem, por exemplo, era utilizada para prender pessoas sem documentos ou emprego, o que afetava desproporcionalmente a população negra, que recém-libertada da escravidão não tinha acesso a emprego ou moradia. Estudiosos afirmam que mais de 80% das detenções entre 1892 e 1916 eram com base nesta lei. Além disso, a criminalização da capoeira estabelecendo até seis meses de detenção e a tipificação de práticas religiosas afro-brasileiras como crimes também eram instrumentos de controle e opressão, pois eram vistas como ameaças à ordem social. É óbvio que o resultado foi o aumento da taxa de encarceramento de pessoas negras, a discriminação em processos, julgamentos, e a perpetuação do preconceito racial contribuindo para a desigualdade racial no país.

Chegamos ao Século XXI com a população brasileira representada por mais de 50% auto declarada negra tendo alcançado pela luta dos movimentos muitas políticas, a exemplo da Constituição Federal de 1988: O art. 5º, XLII estabelece que a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível, com pena de reclusão, nos termos da lei; Lei nº 7.716/1989: define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, abrangendo diversas formas de discriminação; Lei 10.639/2003: estabelece o ensino de história e cultura africana e afro brasileira nas escolas; Lei nº 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial: complementa a Lei do Racismo, estabelecendo diretrizes para a promoção da igualdade racial e o combate à discriminação; Lei nº 12.711/2012 – Lei de Cotas, visa garantir o acesso ao ensino superior para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, com a reserva de 50% das vagas nas universidades e institutos federais. Lei nº 14.532/2023: tipifica a injúria racial como crime de racismo, punindo a ofensa à dignidade ou ao decoro em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.
Mesmo com todas estas conquistas os indicadores publicados por fontes oficiais ainda apontam que há muitos desafios a serem superados pois a população carcerária permanece majoritariamente negra. Segundo o Atlas da Violência, em 2024 de cada 10 vítimas de homicídio no Brasil, sete são pessoas negras, o que representa um total de 76%. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a renda dos trabalhadores negros é, em média, 40% a 60% menor que a de trabalhadores brancos e quando se aplica ao índice o gênero, a mulher negra recebe menos que um homem negro e elas ocupam menos ainda os espaços de poder.

Toda esta reflexão nos traz ao entendimento de que o Brasil pós invasão portuguesa se constituiu por meio de uma lógica eugenista que estrutura o racismo institucional responsável por um verdadeiro genocídio do povo negro que por sua vez tem provado uma grande capacidade de força e resistência tendo passado pelo período escravagista, pela dita abolição que legou à exclusão e a discriminação, mas que chegou ao Século XXI como maioria da população demostrando o fracasso da política do branqueamento e que, embora com muitas conquistas, ainda temos inúmeros desafios a serem superados. Os percursos dos 137 anos depois da Lei Áurea representam a luta em memória dos ancestrais de África aos Quilombos como a força manifestada em cada terreiro, movimentos na capoeira, na política, na educação e na cultura.

Viva o nosso povo negro! Viva a resistência negra!


*Mestre em Educação Relações Étnico-Raciais – PPGER/UFSB; Licenciado em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC; Especialista em Gestão Cultural – UESC; Técnico em Agente Comunitário de Saúde; Presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Itabuna de 2021 a 2023; Integrante do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em Itabuna; Percussionista; ator; Diretor teatral; Coreógrafo (afro); Capoeirista; Poeta; Escritor; Fundador e idealizador da Associação Afro Encantarte e do Pré-universitário para Afrodescendentes – PREAFRO; Fundador do Núcleo de Artes e Educação Popular em Saúde; foi Coordenador do Pré-universitário para Negros e Excluídos – PRUNE (2002 à 2004) e da Associação de Educação Pré-Universitária – AEPU (2001)





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