Coluna de Mariana Benedito – Somos mais infantis do que imaginamos…


“Algumas lembranças são mais fresquinhas, outras mais sutis, outras estão guardadas lá no fundo dos porões do inconsciente”


 

Sábado passado foi dia das crianças. Às vezes parece meio louco pensar que todos nós já fomos criança, não é? Hoje, com tantas responsabilidades, trabalho, compromissos, atribuições, querendo controlar tudo, fazer trezentas e sete coisas ao mesmo tempo, muitas vezes esquecemos que já fomos pequenos seres altamente dependentes do outro, pequenos seres construídos a partir da convivência com outras pessoas. A gente pode até esquecer, meu amado leitor, mas nossos registros, informações, forma de enxergar o mundo são todos pautados na nossa infância. Um adulto é sempre menos adulto do que parece, somos mais infantis do que imaginamos.

A nossa vida adulta, quem somos hoje, este sujeito com esta cabeça e esta mente e estes pensamentos são produtos da nossa infância; nós somos pilotados por rastros de quando éramos crianças. A nossa personalidade é formada ao longo dos nossos primeiros sete anos de vida – incluindo o período de gestação – e tudo fica registrado em diferentes níveis de nossa memória. Algumas lembranças são mais fresquinhas, outras mais sutis, outras estão guardadas lá no fundo dos porões do inconsciente; mas todas, absolutamente todas, determinam o nosso comportamento na vida adulta.

Muito louco, não é? Como assim experiências e percepções vividas na infância, quando não temos discernimento e entendimento, marcam a nossa vida adulta, que é quando ganhamos habilidades de separar o joio do trigo? É justamente por isso mesmo, meu querido ser que me lê aí do outro lado, que o que vivenciamos na infância tem tanto valor: quando somos crianças, somos papéis em branco, vivenciamos tudo com leveza, nos entregamos, experienciamos sem medo. Tudo é novidade e vivemos para explorar esse mundão de Deus. Sem julgamentos, sem dor, sem categorizar as situações; somos pura sensibilidade, entrega, amamos sem medo e confiamos sem receios. E é somente a partir das respostas que temos dessas experiências e vivências, que vamos construindo quem somos; é justamente a partir destas interações que os primeiros traumas se estabelecem e essas impressões ficam registradas.

Repare bem este exemplo: uma criança tem seu brinquedo favorito, aquele que ela vai para cima e para baixo agarrada, não larga por nada. Ganha outros, brinca, mas acaba sempre voltando para este específico, porque é, de fato, o que ela mais gosta; foi presente de alguém muito especial que ela ama e confia demais. Um belo dia, ela acorda e não encontra o brinquedo. Sumiu, escafedeu-se. Essa criança entra em profundo desespero, chora e grita e o mundo se acaba naquele momento, porque ela perdeu algo que gostava muito. A sensação que ela tem é de que realmente algo muito valioso foi perdido. E aí, o pai chega perto dela e diz para parar com esse escândalo, engolir o choro, porque era apenas um brinquedo velho e era desnecessário aquele show; afinal de contas, ela não era Xuxa, nem ao menos paquita. Pronto! Quando essa criança fica adulta, ela tem intensa dificuldade em expressar o que sente, em demonstrar suas emoções, porque acredita ser um show desnecessário.

A via que todos nós usamos para seguir adiante é congelar as situações de dor, constrangimento, mágoa, sensação de abandono, de falta de cuidado, tentando driblar o que somos e o que sentimos. Mas, meu amado, congelado não é curado e, por isso, volta e meia essa dorzinha surge, esse incômodo aparece para mostrar o caminho até sua origem.

A única forma que temos para descongelar alguma coisa é colocando calor. E colocar calor, aqui no nosso exemplo, é buscar entender que as situações que não vão muito bem em nossa vida hoje trazem rastros de um registro infantil, de algo que ficou marcado e que é preciso pescar, lá dentro da gente, que registro é esse. Até porque não é somente a situação que ficou congelada, os conceitos derivados dela também ficaram, e aí só conseguimos enxergar a vida de uma maneira condicionada, dolorida, que não permite enxergar o todo, o real.

Porque, como já diria Freud, a voz do inconsciente é sutil, mas ela não descansa até ser ouvida.

 

– Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica;

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