Antes de qualquer coisa, querido leitor, quero dizer que a coluna desta semana é muito especial. Além de abordar um tema bastante importante que afeta, atinge e, muitas vezes, infelizmente, machuca muitas pessoas – em sua grande maioria as mulheres – e que foi intensamente sugerido, a coluna não foi escrita somente por mim. Ela foi feita a seis mãos. Existem, aqui, as sensações, emoções, histórias, experiências e a vida de duas mulheres, amigas minhas, que se disponibilizaram a contar um pouco sobre a relação delas com seus corpos e mostrar o quanto que a forma como nos vemos, a imagem que temos de nós, o meio que vivemos, o que ouvimos e internalizamos são essenciais na nossa construção, emocional e psíquica. Então, esta coluna não se trata somente da visão analista, crítica e com exemplos hipotéticos que sempre busco trazer; mas, muito mais que isso, a coluna de hoje trata de gente, de verdade. Das dores reais. Das relações reais. Dos exemplos reais. E é com muita gratidão pela confiança, muito respeito e empatia pelos relatos, que eu digo que a coluna de hoje é co-criada por Cinthia Fragoso e Juliana Guerra.
Olha, por mais que a gente tenha uma relação saudável com nosso corpo e nossa imagem, é fato, meu amado leitor, que a nossa autoestima está diretamente ligada com a forma que os outros nos veem. É verdade, não adianta negar! Muito embora o que devamos buscar é justamente tirar do olhar do outro o peso na determinação de quem somos, nós somos construídos dessa forma. A maneira como somos incentivados, vistos pelos nossos pais, cuidadores, educadores, amigos, colegas é crucial para a visão que temos de nós. E algo semelhante na história de Cinthia e Juliana é justamente isso: na infância ouvir dos colegas da escola, vizinhos, amigos frases pejorativas com relação ao corpo delas. É como se fosse criado um eco na mente que fica repetindo, repetindo, repetindo aquelas mesmas coisas que foram ouvidas.
E é bem nessa fase que começa a se desenvolver os transtornos alimentares. Numa tentativa de adequação, de colocar para fora aquele incômodo, de literalmente vomitar as palavras que são ouvidas, os julgamentos, as chacotas, as cobranças; como se não ter o corpo “padrão” fosse motivo para ser alvo de ataques. Que padrão é esse? Somos seres humanos, não somos mercadorias para serem padronizadas.
Mas, querido leitor, o que muitos de nós pensamos é que o fato de vomitar, por exemplo, seja uma fuga, uma válvula de escape. Mas não. É como me disse Cinthia, que ela não tinha coragem de chegar em casa e contar tudo que tinha acontecido na escola e encontrava no ato de vomitar o alívio; como se fosse um amigo que a abraçasse e falasse, enquanto desse colo, que vai ficar tudo bem. Mas a grande questão é que essa sensação de prazer, de alívio, de conforto vai passando ao longo do tempo e à medida que você vai compreendendo que o ato de vomitar não é “correto”; e aí, meu bem, o que surge é a culpa. E se torna um ciclo vicioso.
Não se trata somente da vontade exclusiva de emagrecer, mas também é, muitas vezes, uma maneira de lidar com os próprios sentimentos ou a dificuldade de expressá-los.
E, como é fundamental para qualquer um de nós o desejo pela aceitação, por ser amado, cuidado, olhado, quando isso não acontece e o que vem é justamente o oposto, abala enormemente a autoestima de qualquer ser humano. Mas, especificamente, para quem possui uma relação mais dolorosa com o corpo, a rejeição é sempre atrelada a ele. Como se aquela imagem refletida no espelho não fosse merecedora de afeto, de carinho, de cuidado, de amor. E isso, inevitavelmente, contribui para que a mesma imagem refletida no espelho seja ainda menos aceita. Como me relatou Juliana, você passa a se olhar no espelho e não gostar do que vê, achar que precisa – de qualquer que seja a forma – mudar aquilo que vê. E isso pode chegar a incluir as mais loucas dietas, remédios, horas excessivas na academia. E voltamos, mais uma vez ao ciclo. Porque quando não se consegue perder peso ou quando fica naquele velho “efeito-sanfona”, o que surge é a culpa e o reforço de que não merece ser cuidada, amada, olhada.
O que motiva a escrever sobre esse tema e, principalmente com histórias reais, é a necessidade de trazer informação para todo mundo sobre os transtornos alimentares, sobre a relação com nosso corpo com o objetivo de despertar a empatia, o entendimento. Porque somente através da informação, de ouvir a história de alguém, que podemos entender seus motivos e razões e passar a respeitar as dores de cada pessoa. Somente através da informação podemos parar de dizer que é bobagem, que é frescura, que não emagrece porque não quer, que tem tanta coisa mais importante para se preocupar. O caminho é entender, acolher, compreender.
E falar sobre isso, abertamente, é muito importante!
Vemos um movimento fantástico de mulheres assumindo suas dores, seus transtornos, suas buscas. Mulheres reais se mostrando reais. Incentivando, impulsionando, acolhendo umas as outras, quebrando padrões; porque a relação que temos com nossos corpos é tão íntima que, muitas vezes, sentimos tudo sozinhos, não abrimos para ninguém, temos vergonha, receio.
Somente quando a gente se mostra aberto para entender o que se passa na vida do outro sem julgamento, mas com cuidado, empatia é que a gente transforma esse mundo.
E a nós mesmos. Principalmente.
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– Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria.
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