É fato que um dos maiores desejos de todos nós é se relacionar. Ninguém é uma ilha e, muito embora existam pessoas que não queiram ou não almejem o casamento propriamente dito, o relacionar-se faz parte de nossas vidas. Primeiramente com a família, depois com os coleguinhas da escola, os amigos… e aí o círculo de relações vai se ampliando até que chegamos na fase dos relacionamentos amorosos e afetivos. E que, na humilde opinião dessa que vos escreve, é de suma importância para que a gente desenvolva a percepção do outro, a ideia de limites, o respeito pela individualidade; além da possibilidade de observarmos e analisarmos as projeções que fazemos e que dizem grandes verdades sobre nós.
Mas, querido leitor, muito embora a gente deseje e busque se relacionar, podemos observar um movimento peculiar: a minha geração, principalmente – que permeia pelos vinte, trinta anos – tem medo de se relacionar. Medo e insegurança. E a geração ainda mais nova trata e lida com os relacionamentos amorosos com tamanha superficialidade, nada é feito para durar. E esse movimento todo só me remete ao sociólogo polonês Zygmunt Bauman e uma das suas mais conhecidas obras que é o livro “Amor líquido”, em que ele faz uma análise muito simples e profunda das relações nesses tempos de modernidade e a principal ideia é a dificuldade que a grande maioria de nós possui em se relacionar e se entregar de maneira afetiva, inteira. As relações terminam tão rápido quanto começam e as pessoas tendem a resolver os problemas que ocorrem – e que ocorrem em todo relacionamento – cortando os vínculos. Não sabemos lidar com as frustrações, decepções e desentendimentos e, como saída para isto, simplesmente descartamos relações e pessoas.
Não podemos negar que a velha ideia de amor romântico não cabe mais nos tempos de hoje, de fato. As relações afetivas passaram por grandes transformações. A ideia de que a outra pessoa é fonte e causa para nossa felicidade já não se encaixa mais. A ideia do amor romântico de que somos metades, frações, pedaços a serem preenchidos por outras metades, frações e pedaços já está fadada a desaparecer cada vez mais, tendo em vista que os relacionamentos amorosos têm buscado muito mais a parceria, o prazer em estar junto, a percepção de que somos inteiros buscando dividir a vida com outra pessoa inteira. Aquela velha máxima entre querer e precisar: estamos vindo de uma fase de transição importante do amor por necessidade para o amor por desejo; em que gostamos, desejamos e queremos a companhia do outro, mas não necessitamos dela. São coisas completamente diferentes.
Mas a grande questão, amado leitor, é que por mais que a gente deseje um relacionamento, no fundo, no fundo, temos medo dele. Temos medo da ideia de nos abrirmos verdadeiramente ao outro, de nos desnudarmos, de mostrar a nossa vulnerabilidade, as nossas fraquezas. Hoje em dia se desnuda o corpo com tanta facilidade, mas temos incrível dificuldade em desnudar a alma, nossos sentimentos, medos, dores. Abrir o coração é sinônimo de fraqueza. Vivemos uma realidade em que praticamente se disputa quem se importa menos, quem demora mais de responder uma mensagem, quem some por mais tempo. O amor virou banalidade. A posse, o medo de ser rejeitado, a insegurança, o ciúme são chamados de amor. Noites de sexo casual, descompromissado são chamadas de “fazer amor”.
Circulou um vídeo maravilhoso pelo Facebook de uma dragqueen chamada Lorelay Fox e que ela faz uma análise perfeita sobre tudo que estamos falando aqui, meu amado leitor. A quantidade que temos de possibilidade de escolhas nos leva à total insegurança. Escolhemos estar com tal pessoa, mas ao menor sinal de desencontro e desentendimento, simplesmente partimos para uma nova escolha e aí ficamos nesse movimento infinito de estar sempre pulando de relação em relação. Junta o fato de já termos medo de uma relação sólida e todo o conjunto que ela traz – real, verdadeiro, sem ilusões, com sombras sendo trazidas à tona, com desentendimentos, pessoas que pensam e têm opiniões diferentes, mas que, mesmo assim, escolhem ficar juntas – com a forma descartável com que as relações estão sendo tratadas e a quantidade de opções que temos para satisfazer desejos sexuais numa noite sem nenhum envolvimento, para formar a equação desastrosa que vemos hoje: as pessoas cada vez mais fugindo de se relacionar, verdadeiramente.
Medo de sofrer, medo de se machucar, medo de ser traído, medo de ser enganado. Medo, medo, medo. Insegurança. Fuga. E vamos vivendo cada vez mais sozinhos, mesmo rodeados de gente. Nos sentindo sozinhos, vazios, mesmo após uma noite calorosa de sexo. E, em contrapartida, para não nos sentirmos sozinhos, vamos construindo relações rasas, feitas para durar o tempo que nos tragam satisfação ou até encontrarmos um “outro produto” que nos prometa ainda mais satisfação com menos esforço ou que substitua o “defeituoso”.
“Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.”
Já dizia Bauman…
* – Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria. E-mail: [email protected]