Uma das coisas que eu mais percebo durante meus atendimentos como psicoterapeuta é o quanto as pessoas estão anestesiadas. Desconectadas de si. Não sabem sentir. Pior, fogem léguas disso.
A anestesia vem justamente de tentar não sentir o que estão sentindo. Se anestesiam no trabalho, em compras, em jogos, em bebidas, em drogas, em sexo, em relacionamentos. A busca é ocupar o tempo para tirar o foco do que se passa da pele para dentro. Mas aí é que mora o xis da questão, meu amado leitor: nós não conseguimos ficar muito tempo anestesiados, em algum momento precisamos encontrar sentido no que fazemos; caso contrário, a vida perde o sentido por completo.
A primeira mentira que a gente se conta é a de que não podemos sentir medo, raiva, tristeza e todos esses sentimentos e emoções que a gente categoriza como negativos e, para não sentir, no momento em que essas emoções aparecem de mala e cuia para fazer uma visita, a ação imediata é dispensá-las, rechaçá-las, fazer de tudo para nos livrar, fugir delas a todo custo.
É cada vez mais comum, graças a Deus, a busca pela terapia, pelo autoconhecimento, pela observação e percepção de si mesmo. Mas um movimento muito presente é das pessoas, mesmo em acompanhamento terapêutico, acreditarem que não precisam passar pelo processo do sentir. A gente só se percebe vivendo, meu amado ser que lê essas linhas aí do lado… e muito se vê o quanto as pessoas buscam não sentir suas emoção percorrendo o caminho de se livrar delas.
Vamos imaginar aqui a situação em que você, meu amado leitor, se aborrece e fica com raiva porque uma pessoa não agiu como você esperava que ela agisse. Ok? Imaginou? Massa. Aí você se depara com o bichinho da raiva mordendo seu pé. Qual a primeira reação que vem? Não posso sentir raiva, não quero sentir, preciso fugir disso porque não sei como lidar ou não gosto de mim quando estou com raiva. Raiva é uma emoção baixa, que me desequilibra, me tira do eixo, logo, eu preciso mandar ela embora. Só que, amado ser, lamento tirar você do seu castelinho, mas o caminho para sair de qualquer situação, emoção, sensação é passando por ela.
Então, no momento em que sentir a raiva chegando, tente entender o que ela traz, o que ela está querendo te dizer. A raiva, o medo, a tristeza são guardiões de dores; eles guardam a sete chaves vazios e lacunas nossos. Pegando o mesmo exemplo de ter sentido raiva por uma pessoa que não agiu como se esperava que ela agisse, o caminho é se questionar: por que quero controlar o comportamento do outro?
O que não quer dizer que você tenha que soltar os cachorros em cima de todo mundo alegando que está se permitindo sentir. Pelamor de Deus! Não seja leviano. Nada disso. Até porque aí já seria liberar uma energia destemperada e que já caberia outro questionamento: qual a necessidade de agredir o outro? Qual a dor que não consigo lidar dentro de mim e preciso colocar para fora?
A gente pode observar que não existe “o outro”, meu amado leitor. Todos são reflexos de nós mesmos e grandes mestres que nos apontam onde ainda precisamos melhorar. Mas isso é para quem está disposto, porque não é fácil trazer para si a responsabilidade dos atos, ações e reações. É muito mais fácil continuar culpando o mundo e as pessoas que não compreendem a sua intensidade – uma maneira aceitável de se referir à sua grosseria.
Outro aspecto que caracteriza o medo de sentir é o fatídico encontro com as nossas sombras. É muito assustador, doloroso e, principalmente, faz a gente descer do Olimpo se perceber não tão bonzinho, bonitinho e legalzinho como a gente tanto tenta mostrar que é.
Tem uma música de Flaira Ferro chamada “Me curar de mim”, que diz que se eu não tiver coragem de enfrentar os meus defeitos, de que forma eu vou me curar de mim? E é uma grande verdade. A gente se reconhecer mentiroso, manipulador, invejoso, orgulhoso, que tem desejos de vingança, que tem carência, que tem preconceito, que age de forma interessada é algo muito profundo. Encarar esse lado sombrio de nós mesmos chega a dar um verdadeiro frio na espinha, é de tremer na base e abalar as estruturas mesmo!
E a gente foge. Tem medo.
E eu te digo com toda sinceridade, meu caro leitor, não é fácil. É uma longa caminhada, é um processo desafiador. Olhar para as nossas sombras, se permitir sentir o que quer que estejamos sentindo, transformar a destrutividade que nos habita.
Mas são tempos de transformação, não há mais como fugir, de esconder nas distrações e anestesias.
É o único caminho. Não tem para onde correr, a vida pede para ser sentida e encontrar sentido nela.
Continuar fugindo é mentir para nós mesmos. E eu não sei você, mas se tem uma coisa que eu aprendi a valorizar, é ser honesta e fiel comigo mesma.
Te desejo o mesmo.
Mariana Benedito – Psicanalista e Psicoterapeuta
Instagram: @maribenedito