EU E ILHÉUS: UMA HISTÓRIA DE AMOR


Juiz de Direito aposentado, Dr. Marcos Bandeira mostra a bonita história de Ilhéus


*Marcos Antonio Santos Bandeira


Um lugar onde nossos pensamentos fazem eco transcendendo os limites do universo palpável da realidade social; onde o tempo da memória retorna devagar e onde a magia de seus encantos se revela nos versos dos poetas: essa é Ilhéus, nossa Princesa do Sul!

Ilhéus deriva de ilhéu, que traduz habitante da ilha. Sua beleza majestosa é pontificada na Catedral Dom Eduardo, cuja abóboda é vislumbrada de todos os lados, mas o seu feitiço maior nos alcança quando passamos pela ponte que liga Pontal a Ilhéus e voltamos nossas vistas para o outeiro de São Sebastião por onde a vemos esgueirando-se sobre os ombros do morro. Um pouco mais atrás avista-se os espigões da Igreja da Piedade, como se fossem arranhar os céus fazendo lembrar que a cidade de São Jorge está a seus pés. 

Na moldura e no cerne de sua existência convém lembrarmo-nos de um pouco de sua história que serviu de cenário para muitos fatos sociais que se imortalizaram ao longo do tempo: a capitania de São Jorge dos Ilhéus coube ao escrivão da Fazenda Real de Portugal, Jorge de Figueiredo Correia, que não podendo vir, mandou em seu lugar o jovem Francisco Romero, o qual partiu do Rio Tejo em 1535 chegando nestas terras no mesmo ano, aportando inicialmente na ilha de Tinharé, depois no Morro de São Paulo, para finalmente fixar-se no cume do outeiro de São Sebastião, recebendo, a sede, inicialmente, o nome de Vila de São Jorge. A extensão territorial era muito grande, abarcando em seu leito, Itabuna, Itajuípe, até o território onde hoje se encontra edificada a capital Brasília. A primeira igreja matriz foi construída no ano de 1556. 

Sua marca histórica é exposta nas letras de famosos escritores grapiúnas quando Jorge Amado exalta sua cor morena de “Gabriela Cravo e Canela” no romance entre o árabe Nacib e a morena Gabriela e no coronelismo de Misael Tavares que exerceu o cargo de intendente e era considerado o “rei do cacau”; quando Hélio Pólvora afirma que nela “aspirarmos os odores do fermento do fruto de ouro oriundos dos cochos das fazendas de cacau”; quando o Estuário do Pontal, ponto de encontro do Rio Cachoeira com o mar, serviu de inspiração para Adonias Filho divisar “Jindiba”, a árvore testemunha da então vila de pescadores do Pontal, onde suas mulheres, a exemplo de Lina do Malhado, começaram a perder seus maridos para o misterioso mar.

Ainda viajando nas asas da ficção e da realidade da região cacaueira não podemos esquecer da figura de Juca Badaró e Horácio da Silveira e sua luta de sangue nessas terras do sem fim onde foram imortalizadas tocaias e lutas sangrentas, passando pela disputa do poder político entre o coronel Pessoa e o coronel Domingos Adami de Sá (Intendente que construiu o atual prédio da Prefeitura Municipal de Ilhéus). Não podemos esquecer do então jovem João Mangabeira, bacharel em Direito naquela época (1897) com 17 anos e que aos 20 anos já era intendente e deputado Federal, chegando a ser Ministro de Estado do Governo, cuja visão socialista e humanista o fez deixar para a posteridade, a seguinte lição:

“Não basta a igualdade perante a Lei.

É preciso igual oportunidade.

Igual oportunidade implica igual condição.

Porque, se as condições não são iguais,

Ninguém dirá que sejam iguais as oportunidades”.

Nessas terras do sem fim desfilaram personalidades ilustres que fizeram a história, como o advogado Ruy Penalva, o médico Soares Lopes, o meu inesquecível professor de Direito Romano, Hamilton Ignácio Castro e o seu fino trato, a firmeza de caráter e retidão profissional dos médicos José Dunham de Moura Costa e Nelson Costa, bem como de tantas almas grandiosas e de outros grandes homens que continuam a construir páginas nestas terras , como o professor e jurista Francolino Neto, Soane Nazaré de Andrade e outros idealistas que ajudaram a tornar realidade a Faculdade Católica de Direito de Ilhéus, hoje Universidade Estadual de Santa Cruz, elevando sobremodo a cultura e a formação acadêmica do povo da região sul da Bahia.

E a construção da 1ª  ponte, motivo de tanto clamor dos moradores do Pontal, grande parte formada por pescadores e nativos que utilizavam barcos e balsas para se deslocarem ao centro da cidade que aprenderam a chamar de “Ilhéus”? Não obstante o poderio econômico e político, foi demorada e difícil sua construção, conforme se pode aferir nos versos de Alberto Hoisel, extraídos do discurso de posse na Academia de Letras de Ilhéus do escritor Antônio Lopes em seu livro “Solo de Trombone”:

 

“De moda sai o colete

em tempo que longe vai

sai Getúlio do Catete

só essa ponte não sai!

Sai Herval da Prefeitura

(seu prestígio, não decai!)

Catalão , da Agricultura…

Só essa ponte não sai!

De Abel um livro de haicai…

E Ilhéus, Terra do Cacau…

Sai livro bom, livro mau.

Só essa ponte não sai!”. 

Nada mais convidativo do que saborear um autêntico kibe árabe acompanhado de um chop estupidamente gelado no Bar Vesúvio, recanto outrora dos coronéis e do famoso romance do árabe Nacib com a fascinante Gabriela, imortalizada na obra de Jorge Amado, e hoje, ponto de encontro de artistas, turistas e pessoas comuns . O bar “Vesúvio” foi inaugurado em 1919 pelos italianos Nicolau Caprichio e Vicenti Queverini, sendo adquirido por Nacib em 1945. Sentar-se à frente do Bar Vesúvio e sentir a brisa que vem do mar é experimentar interiormente um pouco do feitiço e dos mistérios guardados nesse lugar mágico de tantas histórias, encravado entre o Teatro Municipal de Ilhéus e a majestosa Catedral D. Eduardo. As peculiaridades desta terra são vistas na linguagem ou na conduta típica de cada morador. O morador do Pontal, principalmente, quando atravessa a ponte não se dirige para o centro, mas para Ilhéus, onde Salvador é Bahia e ingerir bebida alcoólica é “comer rama”, e por aí vai… tem até praia do Marciano. 

Certa feita, espairecendo da faina diária nas bandas de Porto Seguro, saí da comodidade de um bom hotel em companhia de minha família à procura de uma barraca que fornecesse um bom caranguejo e uma ‘lambreta”. A maratona foi árdua, pois só encontrávamos pratos típicos do Rio ou de São Paulo, quando, finalmente, para gáudio de todos os tripulantes, encontramos uma barraca do Rei do Caranguejo. O tão procurado marisco estava lá, mas com um pirão tão pálido e umas pernas por fazer que fiquei com dó do bicho. Não merecia tanto desprezo! Também, era caranguejo preparado por mineiro recém chegado à Bahia. Se eles conhecessem o Chinaê, a Barraca Guarani, o Ribeiro ou o camarão empanado do “Tio Dico’ chegariam à conclusão de que a diferença começa pelo paladar. 

A beleza natural realça a majestade de Ilhéus: o morro de Pernambuco a sinalizar para os navegantes de além África, o rumo a seguir; o estuário do Pontal a nos brindar com suas águas mansas; o encontro do velho Cachoeira com o mar, e as belas praias de areias extensas e margeadas por lindos coqueirais a enfeitar a orla do norte ou as praias do sul. A paradisíaca Olivença, estância hidromineral de localização privilegiada e que atrai tantos turistas, fascinados pela beleza e tranquilidade do local, bem como pelo folclore do sincretismo religioso da puxada do mastro de São Sebastião que é erguido em frente à igrejinha construída pelo padres da Companhia de Jesus em 1700. Os caboclos de Olivença, provavelmente remanescentes dos tupiniquins, bem como os antigos pescadores do Pontal são pessoas simples, mas cismadas. Se você sai do meio deles e passa a ocupar algum cargo mais importante e se não cometer com eles qualquer desfeita é Deus no Céu e você na Terra, mas se você cair na desdita de, por mero descuido, não cumprimentá-los, aí, como dizem na gíria popular, “o bicho pega” e dará ensejo ao “ranço do caboclo”, configurado pelo olhar matreiro, retraído, de soslaio do caboclo, como a dizer: “esse aí é metido a besta “. Muitas vezes, a cisma cinge-se apenas ao fato de você não mais fazer parte do grupo sem ter cometido qualquer pecado contra ele, que simplesmente deixa de falar com você. 

Ilhéus é desse jeito: se existe o ranço do caboclo, existe também o ranço do coronelismo, legado da época áurea do cacau e que diferencia as pessoas pelo sobrenome (patente) ou pelas arrobas de cacau que ainda sonham que possuem, razão talvez mais funda da sociedade Ilheense ter sido tachada por alguns de “fechada”. 

O turista que visita Ilhéus é o de veraneio, normalmente visualizado num casal e sua prole, que vem em busca de tranquilidade, ouvir uma boa música ao som de voz e violão e se perder na magia das ruas e maravilhosas praias de Ilhéus. Não há dúvidas que o clima ameno de Ilhéus, ou seja, quente e úmido, contribui para tudo isso. 

 

Ilhéus é abençoada por DEUS, protegida por três padroeiros (São Jorge, São Sebastião e Nossa Senhora da Vitória), linda por natureza, rica por sua história de lutas e enredos. Imortalizada nos versos do poeta belmontense Sosígenes Costa e do poeta Melo Barreto Filho que a imortalizou como Princesa do Sul, como se pode apreciar no seu soneto “Ilhéus”:

“Ilhéus é uma esperança permanente

Voltada para o azul sem fim dos mares

É a Princesa do Sul, proclama, crente,

Quem lhe sabe a doçura dos seus lares.

Ilhéus é uma certeza que o presente

sacerdote do tempo – em seus altares

oferece ao futuro onipotente

Visão maravilhosa dos palmares

Ah! Quantas seduções ilhéus encerra!

E o peregrino, seduzido, anseia

Desvendar-lhe os encantos da cidade…

E antes que o peregrino alcance a terra,

Unhão …Pontal… a terra amiga o enleia

Num amplo abraço de hospitalidade

Ilhéus é muito mais do que os versos possam exprimir, pois a sua beleza é inefável e indefinida, só podendo ser verdadeiramente apreciada por quem teve o privilégio de desfrutar intensamente dos encantos de suas esquinas, dos seus morros que circundam a cidade, de suas praias maravilhosas, de sua gente e da pujança de sua rica história, enfim, de seus mistérios. Por isso, a chamo de “Doce Ilhéus”!

Os encantos da terra de São Jorge dos Ilhéus atraem e convidam a todos diariamente para a construção de outros fatos sociais que amanhã poderão tornar-se históricos. A terra é fértil e a imaginação emanada da inspiração dos ancestrais que pisaram neste chão é infinita… 


*Marcos Antonio Santos Bandeira é Juiz de Direito aposentado, advogado, professor do Curso de Direito da UESC, Acadêmico ex-presidente da Academia de Letras de Itabuna e Membro Efetivo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.