Medo de sentir


"Existe a falsa, errônea e equivocada ideia de que não podemos sentir medo, raiva, inveja "


 

Mariana Benedito*

Estive pensando nos últimos dias – ao perceber esse movimento em mim – o quanto fugimos de sentir. Exatamente! A gente corre loucamente para todos os lados com o objetivo simples de não sentir o que estamos sentindo. Parece coisa de gente fora da casinha, mas te digo, queridíssimo leitor, que eu, você e a torcida do Flamengo age desse jeitinho. Acompanhe meu raciocínio…

Existe a falsa, errônea e equivocada ideia de que não podemos sentir medo, raiva, inveja e todos esses sentimentos e emoções que a gente categoriza como negativos e, para não sentirmos, no momento em que essas emoções estão aflorando, a ação é de imediatamente dispensá-las, rechaçá-las, dizer para nós mesmos que devemos nos livrar dessas emoções a todo custo. Só que a questão não é que não possamos ou não devamos sentir, mas sim os meios que utilizamos para não sentir. Ficou confuso? Deixa eu clarear.

O grande objetivo das pessoas que iniciam uma caminhada pelo autoconhecimento é justamente identificar, entender e compreender os momentos e gatilhos que desencadeiam sentir essas emoções citadas logo aí em cima. Mas chegamos aí a um impasse de entendimento. Muito se vê o quanto a grande maioria das pessoas busca não sentir determinada emoção percorrendo o caminho de se livrar dela. Vamos botar aqui a situação em que você, amado leitor, se aborrece e fica com raiva porque uma pessoa não agiu como você esperava que ela agisse. Ok? Imaginou? Pronto. Aí você se depara com o bichinho da raiva mordendo seu pé. Qual a primeira reação de uma pessoa que está no processo de se auto-observar? Não posso sentir raiva. Raiva é uma emoção baixa, que me desequilibra, e eu preciso mandar ela embora. Só que, meu bem, o caminho para sair de qualquer situação, emoção, sensação é passando por ela. Então, no momento em que sentir a raiva chegando, tente entender o que ela traz, o que ela está querendo te dizer. A raiva, o medo, a inveja são guardiões de dores; eles guardam a sete chaves aspectos e lacunas nossas. Pegando o mesmo exemplo de ter sentido raiva por uma pessoa que não agiu como se esperava que ela agisse, o caminho é se questionar o porquê de querer controlar o comportamento do outro. O que não quer dizer que você tenha que soltar os cachorros em cima de quem quer que seja alegando que está se permitindo sentir. Nada disso. Até porque aí já seria liberar uma energia destemperada e que já caberia outro questionamento: por que a necessidade de agredir o outro?

A gente pode observar que não existe “o outro”, todos são reflexos de nós mesmos e grandes mestres que nos apontam onde ainda precisamos melhorar. Mas isso é para quem está disposto, porque não é fácil trazer para si a responsabilidade dos atos, ações e reações. É muito mais fácil culpar o mundo pela forma como a gente age.

Outro aspecto que caracteriza esse medo de sentir é o encontro com as nossas sombras. É muito delicado, doloroso e corajoso, principalmente, se perceber não tão bonzinho, bonitinho e legalzinho como a gente tanto tenta mostrar que é. Tem uma música de Flaira Ferro chamada Me curar de mim, que diz que se eu não tiver coragem de enfrentar os meus defeitos, de que forma eu vou me curar de mim? E é uma grande verdade. A gente se reconhecer hipócrita, que mente, que manipula, que sente inveja, que tem desejos de vingança, que tem carência, que tem preconceito, que age de forma interessada é algo muito profundo. Encarar esse lado sombrio de nós mesmos chega a dar um verdadeiro frio na espinha.

E a gente foge. Tem medo.

E eu te digo, caro leitor, não é fácil, viu? É uma longa caminhada. Olhar para as nossas sombras, se permitir sentir o que quer que estejamos sentindo, transformar a destrutividade que nos habita.

São tempos de transformação, não há mais como fugir do autoconhecimento, das mudanças necessárias a cada um de nós.

É o único caminho. Não tem para onde correr.

Continuar fugindo é continuar mentindo para nós mesmos.

 

* Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria.

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