Convenhamos que ninguém deseja ouvir isso na vida, não é, meu amado leitor? Eu não sei você, mas eu acredito que um dos maiores bens que a gente pode ter é a nossa liberdade. Todo e qualquer tipo de prisão, aprisionamento, cerceamento, tolhimento causa um grande impacto psíquico, físico, mental, emocional. Mas uma coisa cada vez mais comum e rotineira nos nossos dias – e que não estamos devidamente atentos – é a prisão invisível das telas, redes sociais, linhas do tempo e conversas por aplicativos de mensagem.
Há uma gigantesca possibilidade de que você esteja lendo estas linhas aí do outro lado por uma telinha; e de forma alguma é minha intenção problematizar e condenar o uso do celular, da tecnologia, da internet. Muitíssimo pelo contrário! Meu trabalho atualmente é quase todo pautado na tecnologia que aproxima quem está distante, 95% dos meus atendimentos são online e eu sou uma grande entusiasta e muito grata por essa possibilidade. O beré incha quando a gente começa a ficar mental e emocionalmente dependente do celular.
Eu vou te fazer uma pergunta, meu amado leitor, e seja sincero com você mesmo, ok? Aqui é você com sua consciência – e quanto mais honesto, mais chance de reconhecer um escorregão na casca de banana e mudar de rota. Então lá vai: quantas vezes você pega seu celular só para ficar conferindo os grupos de WhatsApp ou subindo eternamente o feed do Instagram e Facebook? Quantas vezes você foi fazer alguma coisa, de fato, no celular e daí chegou uma mensagem, você foi olhar outra coisa no Instagram que puxou para outra coisa e depois para mais uma e, quando você se deu conta, passaram-se trinta minutos? Quanto tempo você fica longe do seu celular? Quantas vezes você já se pegou – se é que já se pegou – com a vida acontecendo ao seu redor e você com a cara enfiada no celular? Pessoas ao seu redor conversando, interagindo, contando histórias, trocando vivências e você rolando o feed do Instagram, vivendo a realidade paralela do metaverso.
É, no mínimo, curioso o fato de estarmos vivendo uma era de tudo à palma da mão, de quando quer assistir a um filme é só abrir a Netflix e ter zilhões de possibilidades, do imediatismo, de não saber esperar o tempo das coisas, dos áudios acelerados, da impaciência, da fuga e depois abrir a boca para reclamar que a vida está passando rápido demais.
É lógico que está! Como é que você tem aproveitado o seu tempo? Está no real ou no virtual? Você está preso nessa tela e não consegue se dar conta da gravidade disso. A gente acha que está se aproximando e se conectando com quem está longe e, na verdade, está se distanciando de quem está perto. Quantas vezes você esteve em locais com amigos, familiares e nem sequer recorda o que aconteceu, o que foi conversado, compartilhado simplesmente porque não estava lá. O corpo estava. A cabeça, olhos e atenção estavam no celular. Deixou de aproveitar momentos reais para dar mais importância aos momentos virtuais; a gente reclama da falta de tempo e da correria não sei para onde para juntar um grupo de amigos e, quando consegue juntar, é cada um no seu mundinho virtual trocando mensagens em outros grupos de WhatsApp reclamando que não consegue se encontrar. Gente! Pelo amor de Deus!
O quanto esse aprisionamento prejudica a nossa vida ordinária, nas pequenas coisas do nosso dia a dia. Eu mesmo não tenho nem dedo que dê para contar as vezes em que deixei de realizar uma atividade sem a distração de responder uma mensagem no WhatsApp que poderia perfeitamente ser respondida depois, sem nenhum dano à humanidade. Mas não, ouve o barulhinho da notificação, o sinalzinho ali na barra de navegação do celular e partiu comer ansiedade com farofa de banana da terra. Já sentou do lado a angústia, o comichão, o bloqueio criativo que não consegue fazer mais nada enquanto não verificar a bendita da notificação.
É uma cobrança insana por responder as mensagens na hora exata que chegam – mesmo que você não possa responder naquele momento ou não seja o caso de tirar o pai da forca – por uma necessidade de estar conectado o tempo todo, por saber de todas as conversas dos quinhentos grupos; porque, caso contrário, nosso inconsciente grita de que não estamos mais pertencentes e, consequentemente, vamos perder afeto.
O buraco é bem mais embaixo.
Mas, para começo de conversa, já vale o questionamento: quem comanda quem? Você está realmente livre?
* Psicanalista e Psicoterapeuta
Instagram: @maribenedito