Coluna de Mariana Benedito – A busca pela realidade


“Lidar com a realidade nos pede que a gente se dispa das expectativas, fantasias, do que nossa mente, na tentativa de nos proteger da dor, elegeu como verdade”


                 

Ao ler o título desta coluna, você, meu amado leitor, pode estar se perguntando o quão redundante isso pode ser, já que a realidade é o que temos aqui, neste momento, é o que está e não precisaríamos buscar por ela. Não é? Mas pegue aqui na minha mão, pegue sua caneca de chá – já conversamos sobre isso aqui, hahahaha – e me acompanhe nestas linhas.

Sim, meu querido leitor, realidade é o que existe agora, é o que está posto, é o que nos é apresentado. É o real, o que tem existência verdadeira, fatos, dados. E por que é necessário buscar por ela, sendo que ela já está diante de nós? Porque a nossa cabeça não trabalha, em seu estado natural, com o real. Vou explicar, repare.

Quando a gente nasce e é aquele bolinho de carne, o que nos impulsiona são os nossos desejos e necessidades. A gente está com fome, a gente chora. A gente está com dor de barriga, a gente chora, porque alguma coisa dói e a gente não tem noção de onde é, mas sabe que dói e que alguém precisa resolver esse babado. Somos movidos pelos nossos instintos e não temos ainda a capacidade de discernir quando – ou se – nossos desejos serão atendidos. Queremos e queremos na hora. Vamos crescendo e vão surgindo noções externas. A gente vai vendo que a mãe tem suas necessidades também, que existem regras, diretrizes, normas e, a partir desse atrito entre o que querem nossos desejos internos e as exigências externas, surge o nosso ego, a representação de nossa identidade, quem somos e quem nos tornamos.

Dê mais um gole em seu chá. Pois bem, meu amado ser, é justamente nesse atrito e na formação de quem somos que surgem as percepções, sensações e interpretações de abandono, de falta, de não merecimento, de autoestima, de insegurança. Lembra que falamos sobre perceber que nossa mãe tem necessidades e que não podia nos atender, quando crianças, no momento exato que a gente desejava? Então, aí que mora a sua interpretação da situação. Reparou que são interpretações? É a forma como a gente enxerga e entende uma determinada situação que possui inúmeros outros fatores que nos passaram batidos.

Agora junte a minha interpretação com a sua, com a dos meus amigos, com as dos seus, com as dos meus pais, com as dos seus… temos uma infinidade de interpretações que são passadas. Eu não sei se você conhece a brincadeira do telefone sem fio, mas quando a gente recebe a interpretação que nossos pais fizeram das situações que eles viveram com os pais deles, certamente a informação virá modificada e vamos modificá-la mais uma vez para passá-la adiante.

A gente foge o tempo todo da realidade. Lidar com o que existe de real é altamente desconfortável, porque nos coloca cara a cara com a interpretação que fizemos nos pedindo para que a gente olhe o contexto, o que foi vivido e vivenciado de fato, e não somente aquilo que escolhemos colocar debaixo do braço e abraçar como verdade.

Lidar com a realidade nos pede que a gente se dispa das expectativas, fantasias, do que nossa mente, na tentativa de nos proteger da dor, elegeu como verdade. Porque repare, meu amado ser, o principal objetivo de nossa mente é nos proteger de sofrer e sentir de novo aquilo que nos machucou em algum momento da nossa existência neste planetão chamado Terra e, por isso, fez o que pôde com os recursos e ferramentas que estavam disponíveis na época para que a gente pudesse chegar até aqui da melhor maneira possível. Mas essa proteção deixa marcas e passamos a enxergar tudo que nos cerca pelas mesmas lentes que colocamos lá atrás.

Buscar a realidade e lidar com ela é nos separar da ilusão que, em algum momento, abraçamos. É doloroso, é ruim, nos perdemos e reencontramos ao longo desta caminhada, é incômodo e desconfortável, mas nos coloca diante da verdade e nos possibilita dar passos em terrenos firmes, ao invés da areia movediça que pode nos engolir a qualquer momento.

 

* Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria.

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