Quando a gente olha somente para uma direção, a cabeça tende a se acostumar com aquela visão e passa a qualificar, questionar, categorizar, apontar que tal pedrinha no caminho não deveria estar ali, que se a curva fosse para a esquerda, ao invés de para a direita, o caminho seria melhor. A gente deixa de observar e apreciar o que é, para avaliar e desejar o que deveria ser.
Até aí, o trem dá uma desgovernada, mas ainda está nos trilhos, meu caro leitor. Podemos argumentar, inclusive, que as melhorias, aprimoramentos, planos, sonhos partem justamente deste pressuposto: da observação do que é e do que pode vir a ser. Tudo certo na Bahia. Mas, repare, o negócio começa a descarrilar quando a gente deixa de reconhecer o que tem, para só mirar no que deseja ter.
Mas vamos trocar essa história em miúdos e ir direto ao ponto. O nosso maior desejo nesta vida – você que me lê aí do outro lado fielmente, já deve até saber o que eu vou dizer, mas repito que é para ficar bem internalizado mesmo – é ser amado. Ter afeto, ter reconhecimento, ter colo, ter presença, ter carinho. Se sentir pertencente, cuidado, amparado, ouvido. Só que, meu caro, existe uma coisinha importantíssima e que muda totalmente a direção desse rolê: a idealização.
Visualize aí: você vai fazer uma viagem. Prepara passeios, roteiro, lugares que quer conhecer e vai em companhia de alguém que você gosta muito, que tem os mesmos gostos que você, daí você acredita que, obviamente, vão querer fazer as mesmas coisas. Tudo lindo! Você planeja cada detalhe dessa viagem, já se vê nos lugares sonhados. Um belo dia, já durante a viagem, a sua companhia resolve fazer um passeio diferente. Sair pela cidade explorando e vivenciando, aberto para as surpresas e experiências. Ah, mas você programou cada dia para fazer uma coisa, está tudo no roteiro, tudo programado, tudo idealizado; se você for seguir sua companhia, vai deixar de fazer o que você havia planejado. Você bate o pé, dizendo que quer seguir o seu roteiro, perguntando como assim sua companhia está agindo dessa forma, afinal de contas, quando as pessoas vão a lugares desconhecidos, o que se faz são programações, roteiros. Argumenta que você fez tudo, pesquisou os melhores lugares para visitar, planejou e idealizou tudo. Mas a sua companhia insiste em querer sair para desbravar a cidade. Você se reta, mas vai assim mesmo.
Vocês saem e vão descobrindo lugares bonitos, programações interessantes; mas você não está aproveitando absolutamente coisa alguma, porque nada do que você idealizou está sendo vivido. Você reclama, fala que deveriam ter seguido o seu roteiro, diz que sua companhia está em falta com você, que ela não está fazendo com que a viagem seja boa. Resumindo a história – convenhamos que fui bem criativa e detalhista neste exemplo, acabei me empolgando – quando vocês retornam de viagem e você mostra as fotos e vídeos para alguns amigos que conhecem bastante o lugar, descobre que os lugares que conheceu e a programação que fez, no dia que saiu com sua companhia sem nada idealizado, são um dos melhores e só quem já conhece a parte instagramável da cidade, saberia criar um roteiro tão rico.
Resultado, meu amado leitor, você não valorizou o que estava vivenciando, recebendo, experimentando naquele dia por acreditar que a viagem só valeria a pena se o seu roteiro fosse seguido.
E é bem assim que funciona na vida: a gente não reconhece o que recebe, não vive inteiramente o que nos é ofertado porque a gente bate o pé para receber somente da forma que gostaria. Não estamos abertos para receber, trocar, construir. A gente quer mesmo as coisas do nosso jeito, isso sim!
A gente idealiza demais e vive o aqui e o agora de menos. E, no final das contas, não tem nem um e nem o outro.
Te convido a perceber o quanto está recebendo, o tanto de amor que já existe. Pode não ser da forma que você deseja, mas tem um diferencial que o valoriza: é real, já está aí.
Olhe de novo.
* – Psicanalista em formação; MBA Executivo em Negócios; Pós-Graduada em Administração Mercadológica; Consultora de Projetos da AM3–Consultoria e Assessoria.
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