Uma fuga disfarçada


Mariana Benedito: “A busca vira fuga quando mostrar que estar trilhando a jornada é mais importante do que trilhar”


Deixa eu te contar um negócio aqui, meu amado leitor; se tem uma coisa que eu observo, ao longo desses mais de seis anos atuando como Psicanalista e Psicoterapeuta, é que a fuga de adentrar a caixa-preta do inconsciente, das emoções, dos padrões, dos medos, traumas, bloqueios se disfarça das mais variadas formas. Muitas delas, inclusive, infiltradas no mundo do autoconhecimento, da terapia, da busca pela melhor versão.

Autoconhecimento é o caminho a se percorrer na direção de investigar por quais razões você age como age, pensa como pensa, enxerga o mundo como enxerga, sente como sente. É uma jornada de encontro com as emoções, sentimentos, sensações, percepções, pensamentos que passamos uma vida inteira evitando. É pegar a chave para abrir a gavetinha do inconsciente que guarda – tão bem guardadinho – as nossas memórias de dor, de rejeição, abandono, traição, injustiça e fazer uma limpa: ver o que ainda faz sentido ser guardado, o que não cabe mais, o que é entulho, o que merece e vale a pena ser passado adiante, o que precisa tomar um solzinho para tirar o mofo.

É desconfortável no começo? Eu sou grande adepta da verdade, meu amado ser que lê estas linhas aí do outro lado, então eu te confesso que sim, pode ser desconfortável no começo, porque é a mesma coisa de fazer uma reforma em sua casa; antes de ficar tudo arrumadinho, limpo, organizado, cheiroso fica tudo revirado e, volta e meia, você dá uns espirros pelo pó da parede que está lixando, o cheiro da tinta te deixa meio tonto, bate aquele desespero por parecer que não vai acabar nunca. O caos precede a ordem. E assim é, Lei Universal. Não tem que criar caso com isso, não.

Agora, repare bem, para evitar esse desconforto, essa bagunça, o rebuliço causado ao perceber que você precisa confrontar suas crenças, seus padrões, mudar posturas, desagradar algumas pessoas, colocar alguns limites, entender-se e mostrar-se humano com falhas e erros, nossa cabeça se transforma num pólo ativíssimo de criatividade, meu caro.

Para evitar sentir o que precisa ser sentido, fazer o que precisa ser feito e mudar o que precisa ser mudado – pagando todos os preços envolvidos na jogada – a gente foge. E uma fuga disfarçadinha, é querer “vivenciar” o processo de mudança somente com a cabeça, no racional, no teórico, na palestrinha. Aí é uma pilha de livros sobre autoconhecimento, milhares de vivências, cursos, workshops; horas de vídeos de YouTube e de podcasts nas plataformas de áudio. Tudo na cabeça. Ação que é bom? Necas!

Ah, mas quem vê de fora acredita piamente que se está em um processo profundo de transformação. Eis o problema! A busca vira fuga quando mostrar que estar trilhando a jornada é mais importante do que trilhar. Você está mentindo para quem? Acredita que dá para lidar com as emoções, treinar a capacidade do que fazer com elas na teoria? Lamento te informar, mas você está se iludindo.

Imagine aí aprender a dirigir só com aulas teóricas. Segurando o volante na sua cabeça, passando a marcha no vento, acelerando e freando mexendo o pezinho para cima e para baixo. Por qual razão você acredita que consegue conduzir esse carrão que é você, com o bagageiro cheio de tralha, sem partir para a prática?

Evitar lidar com sentimentos dolorosos, com as dores e feridas que ainda não foram cicatrizadas, com as questões desagradáveis, com os padrões que impedem sua ascensão e abundância é fuga, não tem outro nome. Por mais socialmente aceita que ela possa parecer, continua sendo fuga. É a realidade dos fatos.

Quanto mais você foge, quanto mais se engana seja lá com quais máscaras, ferramentas, falsas buscas, mais a dor persiste. E ela vai continuar gritando até que você a escute. Com ouvidos de ouvir e olhos de ver.

O único caminho para fora da dor é através dela.

Onda grande se atravessa mergulhando.

 

* Psicanalista e Psicoterapeuta

Instagram: @maribenedito