A ausência…


Estamos muito conectados e visivelmente separados, diz Kiko de Assis


Por Kiko de Assis 


Estamos vivendo um período da história humana muito singular. Não somente sob o aspecto das alterações climáticas, das movimentações de placas tectônicas e conflitos sociais nos quais atravessa o planeta e seus ocupantes, mas principalmente, pelo momento tecnológico que tomou conta de todos os espaços de convivência e ambientes de trabalho. Estamos muito conectados e visivelmente separados. As máquinas criadas para aproximar na verdade afastam cada vez mais as pessoas. Quando viajamos no tempo, e falo de um tempo nem tão remoto assim, lembramos do fax, um aparelho capaz de transmitir documentos e fotos em tempo real de qualquer parte do mundo. Depois vieram os aparelhos telefônicos sem fio, que causavam espanto e ligeira desconfiança de sua verossimilidade, como pode? Depois veio o celular, um aparelho absolutamente revolucionário e que traduziu de forma incontestável a possibilidade de conversação vivenciada no seriado Star Trek da década de 60. Este aparelho foi além do telefone e incorporou a possibilidade de jogar, ouvir música, calcular, agendar… Com o advento das redes sociais, o celular migrou para o universo das grandes mídias, com notícias, filmes e grupos de interação, tudo em tempo real! Em paralelo uma sociedade se desorganizava… Sim! Percebe-se que alguma coisa está fora da ordem. As crianças são as maiores vítimas deste descompasso humano em direção ao caos… A modernidade acompanhada da necessidade de sobrevivência estabelece uma dicotomia perceptível entre pais e filhos. A ausência constante dos pais na busca do pão de cada dia, eleva em potência estratosférica a carência dos filhos e os impele a socialização eletrônica. Filhos envolvidos num mundo virtual acabam por não identificar a realidade e as atribuições pertinentes ao processo da evolução socio educacional necessárias para formação do indivíduo!
A ausência dos pais no processo evolutivo da criança, os transformam em seres biotecnológicos transitando em um mundo paralelo. Como cobrar de uma criança a instrução escolar se eles não recebem a educação familiar? As telas de televisão são mais presentes na vida das crianças do que a imagem dos pais… E estamos falando daqueles que ainda não receberam o celular como merecido troféu! Depois que entram no mundo “mágico” do celular, uma nova personalidade se constrói. Aí, reina o perigo, pois, sem a seletividade necessária, um mundo de “TUDO POSSO” se descortina na cabeça da criança que nada sabe da vida, de valores e reais necessidades… Como castigar ou reprimir uma sociedade que deliberadamente opta pelo caminho mais “fácil”?
Estamos construindo um mundo sem freios e, principalmente, sem o amor espontâneo e necessário entre pais e filhos. Precisamos amar e ser amados de forma equivalente sem artifícios e sem o escambo. O futuro que nos espera não parece tão promissor quanto gostaríamos. É preciso, sob pena do arrependimento, recuar e adotar práticas mais efetivas de convivência com nossas crianças, despertar a magia da brincadeira, do espaço público, é preciso dar a rua para a criança e ela entender esse território como lúdico e não selvagem! É preciso ressignificar um jantar familiar em volta de uma mesa sem aparelhos eletrônicos e ressocializar essa criança! Não os deixar à mercê do mundo, é a palavra de ordem para que tenhamos amor recíproco,respeito e uma convivência saudável e feliz.


Kiko de Assis
Publicitário e Produtor Cultural