“Perdi tudo. Mas minha filha me dá forças para recomeçar”


Apenas os documentos pessoais foram salvos, informa casal ilheense


Amanda segue há mais de 24 horas sem notícias da filha de sete anos e do pai de 83. Mas sabe que os dois estão em segurança. Eles foram levados para uma igreja do bairro do Salobrinho, logo que as águas do rio Cachoeira começaram a invadir as casas onde moravam, perto do campo de futebol do bairro. Amanda e o pedreiro e companheiro Adriano perderam tudo. Apenas os documentos pessoais foram salvos. Apesar de todo o prejuízo, hoje eles sorriam. “O material a gente tenta reconquistar. O importante é que estamos vivos e temos agora mais uma filha para criar”. Amanda agora é mãe de Aysha. A menina nasceu ontem à tarde no Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio, em Ilhéus, depois de uma experiência inimaginável que os pais tiveram que passar.

Era pouco mais de meia-noite de domingo, quando as águas começaram a invadir a residência do casal. O desespero de ver os vizinhos abandonando tudo, a movimentação de todos para deixar a casa, vieram juntos com os primeiros sinais de que Amanda estava prestes a dar a luz. Começava uma grande corrente de solidariedade que, segundo ela, jamais esquecerá ou cansará de agradecer. “Avisei na igreja onde deixei minha filha e meu pai, que estava sentindo fortes contrações. Apesar da chuva, cinco enfermeiras que moram na comunidade tentaram me ajudar. O pai de uma delas me colocou no carro para me trazer até Ilhéus. Eu pensava que a água só tinha tomado a nossa comunidade”, disse hoje.

Amanda, entretanto, estava equivocada. Vários trechos da rodovia Jorge Amado estavam comprometidos. O motor do carro não aguentou. Parte do percurso passou a ser feita de trator: ela, o marido, três enfermeiras e o motorista em cima da máquina. O trator também não resistiu ao volume de água. Uma canoa que socorria outros moradores da região passou a ajudar. “Éramos nós dentro e pessoas do lado de fora, no meio da água, com uma corda, esticando e movendo a embarcação. Havia pontos sem acúmulo de água que precisava andar e eles levavam a embarcação sobre a cabeça. Foi um esforço grande pra me ajudar”, lembra.

A mãe da pequena Aysha destaca o acolhimento que teve nos dois hospitais do Estado. Primeiro, no Hospital Costa do Cacau, onde a embarcação conseguiu chegar pedindo ajuda e onde foram feitos os primeiros exames. E lembra com carinho a mobilização que contou com os profissionais do HRCC e do Hospital Materno-Infantil (HMIJS), Corpo de Bombeiros e Samu, para chegar a tempo de dar a luz à segunda filha no HMIJS, no bairro da Conquista. Um helicóptero transportou a família até o aeroporto de Ilhéus. Uma ambulância levou a gestante e o marido para o HMIJS, onde uma equipe já aguardava a chegada da gestante. Cerca de cinco horas depois do início da aventura, Aysha nasceu com 3,135 kg e 52 centímetros. Parto normal.

“Eu preciso reencontrar cada pessoa que me ajudou, cada uma de vocês daqui também, e agradecer pela acolhida”, disse hoje, durante visita das assistentes sociais do Materno-Infantil. Ela afirma que os gestos de solidariedade que encontrou entre o Salobrinho e a maternidade revelaram o valor de pessoas, a grande maioria, desconhecidas para ela, que se colocaram em perigo para ajudá-la.

A verdadeira saga que marca o nascimento de Aysha – a ilheense que chegou trazendo vida, durante a enchente que atingiu a região sul da Bahia e causou muita destruição – simboliza, sobretudo, o carinho de pessoas anônimas e o trabalho solidário e em rede de outras que têm por missão salvar vidas. É como diz Amanda. A casa precisa ser reconstruída. Sim, verdade. Mas o que importa mesmo é saber que há um novo – e importante – motivo para recomeçar: o nome dela é Aysha.