Adeus à juíza Sônia Maron exalta mulher “à frente de seu tempo”


Corpo será sepultado às 13h30min desta quarta-feira, no Cemitério Campo Santo


Por Celina Santos


Muitas são as referências a marcar a trajetória da juíza aposentada Sônia Carvalho de Almeida Maron, que faleceu às 11h15min de terça-feira (21), após lutar por três anos contra uma leucemia. Nascida em Itajuípe e moradora de Itabuna, ela deixa, em 81 anos de vida, o exemplo de empoderamento feminino. Aliás, muito antes de esse termo ser cunhado.

Dra. Sônia foi juíza do Tribunal de Justiça da Bahia por 35 anos, atuou em Salvador e em Itabuna, na 1ª e 2ª Vara Crime. Na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), lecionou no curso de Direito. 

Já na esfera literária, foi uma das fundadoras da Academia de Letras de Itabuna (Alita), a convite do escritor Cyro de Mattos, contemporâneo dela. Ele usou as letras para despedir-se da amiga, a quem eleva votos de “merecido descanso na casa do pai eterno” (poema ao final desta matéria).

Amigo de infância, o médico João Otávio Macedo, carinhosamente chamado por ela de Tavinho, mostrava um olhar atento no velório – como se ali recordasse as brincadeiras compartilhadas e o visível afeto mútuo que demostravam. Ele também integra os quadros da citada entidade literária.

A atual presidente da Alita, Silmara Oliveira, atribui a “elegância e a competência como marcas indeléveis da querida confreira”. “Nos deixa saudades e gratidão de partilhar do seu convívio. Rogamos ao pai celestial que seja doce essa passagem e que sua família seja confortada pelo amor divino”, clama.

Mais manifestações de afeto

Outra confreira, a escritora Ceres Marylise também registra o carinho pela companheira de jornada. “Convivemos diariamente durante quase cinco anos. As horas alegres e prazerosas, cumplicidade e caminhada foram muitas. Que minha linda miss esteja descansando ao lado do Senhor!”, declarou.

Já o casal de vizinhos Rosana e Marcos Bandeira (ele também juiz aposentado e confrade), refere-se à moradora que os recebeu com flores, quando passaram a residir no mesmo prédio, no bairro Jardim Vitória.

Uma das últimas pessoas a servir uma refeição para Sônia, a cuidadora Célia Sousa falou da mulher autêntica, que era franca ao dizer às pessoas o que precisava ser dito. Ao mesmo tempo, sempre amorosa no convívio com todos.

Numa moção de pesar, o prefeito Augusto Castro mencionou Sônia Maron como um mulher de inteligência e cultura raras, elegante e de finíssimo trato. “A magistrada distribuiu Justiça ao longo de sua vida. Itabuna, a quem represento pela maioria da vontade de seu povo, lamenta sua morte”.

Uma legião de amigos e admiradores hoje compartilha a saudade vivida pelos filhos Otávio César e Ana Clara, mais os netos Beatriz, José Ricardo e Yasmin. 

Poema de despedida

O escritor Cyro de Mattos despediu-se da confreira com o seguinte poema.

Pesares de Sônia Maron

Cyro de Mattos 

 

Quem entende esse gesto?

O passado não tem volta.

Não se esvaem as dores 

Prisioneiras do presente.

 

O vento que se aloja

nessas asas fabrica 

vozes em rito de pesares,

que não se decifram.

 

Ó tempo rigoroso

no musgo desse muro,

sinto frieza no meu peito,

como fere nesse inverno.

 

Até no encanto assustas, 

a flor que aparece

é a mesma que breve

no pó desaparece. 

 

Imutável nesse estar 

que ceifa a inocência,

a solidão de anoitecer 

teu enigma que ofertas.

 

Hora que não tem cura,

Vez que não tem volta

Enquanto a noite chega

Para soterrar o dia. 

 

Ó tempo quão amargo 

É teu rigor nesse gesto

Que só a ti pertence, 

Sufoca no meu peito.  

 

De ti em dó e lágrima, 

o que dói não é o calor

que aqueceu o coração,

mas as coisas que não virão.