Num momento em que surgem tantos questionamentos sobre a forma de o outro apresentar-se perante o mundo, contamos a história de uma professora itabunense que recentemente tornou-se mestra pela UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia). Aos 32 anos, transexual assumida, ela é Isabella dos Santos Silva. Nome devidamente legitimado nos documentos.
Mesmo tendo nascido menino, a moça relata que aos quatro anos se sentia uma menina. Surpreendeu-se, por volta de seis, quando percebeu que a aparência não fazia jus à forma como se reconhecia. “Os choques foram enormes, diante de um corpo que não era o meu e com roupas e formas de tratamento no masculino que me colocaram em um calabouço de tristezas, desesperos, violências, e humilhações”, desabafa.
Passou por rejeições e conflitos, inclusive dentro da própria família. Após um tempo depressiva e morando só, foi chamada de volta para casa. “A partir dali, comecei a melhorar minha saúde psicoemocional, o que também me ajudou e ajuda muito na minha afirmação como mulher. Atualmente, posso dizer que tenho um pai e uma mãe para ver eu, Isabella, a filha deles, plena, feliz, saudável e bem”, afirma, num misto de orgulho e alívio.
Maternidade
Reconhecida pela lei após uma peleja judicial, com a identidade textualizada em todos os documentos, Isabella é professora de História formada pela Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz). Há quatro anos, leciona para o 2º ano do ensino médio num colégio de Itabuna. E demonstra realização com a forma como as turmas respondem ao trabalho dela.
“As pessoas estudantes me tratam com muito respeito. O que me surpreende positivamente é a afetividade espontânea que acontece durante o estreitamento na relação cotidiana entre professora e estudantes. Eles me tratam como mulher e ponto”, vibra.
Íntima da causa que a guiou pela vida, no mestrado em Ensino e Relações Étnico-raciais defendido na UFSB, pesquisou sobre o acesso à educação superior para a população LGBT e demais minorias sociais. Vale arrematar: foi a primeira aluna trans a concluir o mestrado na instituição. “Posso afirmar que é certamente um marcador histórico importante para inúmeras outras pessoas trans”, constata.
Mas disse ter consciência das barreiras que as pessoas pares dela ainda enfrentam. “Eu sou uma mulher que não tem os mesmos privilégios e garantias no mercado de trabalho formal; posso afirmar que este é um momento de expectativa de oportunidades como docente no ensino superior, para garantir de fato a minha progressão e valorização educacional. Obviamente, isso depende mais da abertura do mercado de trabalho formal do que de mim. Afinal, muitas faculdades e escolas de ensino básico não querem contratar uma professora trans, para ‘não serem questionadas’, avalia.
Novo significado
A trajetória de perdas e ganhos de Isabella terá um novo passo nesta próxima semana. Ela embarcará para a Colômbia dia 20, onde passará pela chamada CRS (Cirurgia de Redesignação Sexual). Como o nome sugere, trata-se de uma reconstrução do órgão sexual dela.
Ao mesmo tempo, ainda no país vizinho, pretende passar por um procedimento para tirar uma proeminência evidente no pescoço, conhecida como “pomo de Adão”, bastante comum em pessoas do sexo masculino. Serão procedimentos feitos na rede particular e, depois de um período sob cuidados médicos, ela pretende voltar em 22 de julho, para iniciar definitivamente uma nova fase da vida. As intervenções operatórias não obrigatórias, mas a professora grapiúna reconhece ser um desejo dela.
Os planos de Isabella sinalizam que almeja mais realizações, sobretudo no plano pessoal. “Acredito que a minha trajetória tem movimentado em várias pessoas um respeito significativo para comigo. Isso pode ser o começo de coisas boas e efetivas na minha vida daqui para frente, como mulher, professora e espero que a partir de um dia esposa e mãe”. Aliás, quando pedimos para que escolhesse uma palavra para lhe definir, ela imediatamente crava: maternidade.